Artistas ucranianos apresentaram este domingo primeiros espetáculos no Porto
Corpo do artigo
O otimismo, por vezes, tende a criar uma ilusão patética de que vai ficar tudo bem. A iniciativa "Ucrânia-Palco Livre", programa do Teatro Nacional São João para artistas ucranianos residentes em Portugal, apresentada ontem no Teatro Carlos Alberto, é a dose de pragmatismo necessária.
A encenação de Svitlana Gordienko, "A minha mãe está doente", a partir da peça "Através de pele", de Natalia Blok, foi a primeira a ser apresentada ontem.
A alegoria conta a história de uma mulher que vive, há três anos, numa "atualidade fantástica" e, repentinamente, começa a ter o que parece ser um hematoma que se expande, até ser diagnosticada com PCC (Pele de Cor Caqui), uma doença causada pelo stress pós-traumático.
Como receita de vida é aconselhada a afastar-se de tudo o que a recorde da guerra: rir-se muito, fazer ioga e banir todo o tipo de noticiários. Focada nas minudências quotidianas como forma de banir qualquer tristeza que a invada, não consegue que a doença lhe dê tréguas, tornando-se cada vez mais visível. Ao ponto de a assolar cada vez que vê a sua imagem refletida. Perdida nesse processo entende que não há forma de reverter o sucedido, nem mesmo com o final da guerra. A paz acaba com a guerra, mas não acaba com a dor.
Empatia visual
"A minha mãe está doente" é uma obra legendada em português que, como todas nas mesmas circunstâncias, sofre por vezes algum desfasamento. Mas, não perde por isso a intensidade, dada a forte componente visual e coreográfica, muito bem trabalhada.
Durante todo o espetáculo há imagens no fundo de cena: de olhos, de televisões, de túneis, de noites sem fim e de pessoas que partiram sem regressar , ajudando a exacerbar toda a tensão ali concentrada.
As duas atrizes caminham sempre dentro de um quadrado, criado por um novelo de lã, amarrado ao braço de uma delas, como se nunca fosse possível cortar o cordão umbilical com o trauma.
No quadro final, vestidas com trajes típicos ucranianos, acendem velas pelos que partiram. A plateia repleta, com muitos espectadores da comunidade ucraniana, gritou emocionada.
Na partilha sabem que não vão ficar todos bem, também eles levarão tatuada "a pele de cor caqui e os piolhos de Moscovo".