Nuno Cardoso apresenta a primeira encenação enquanto diretor. "A morte de Danton", de Büchner, estreia quarta-feira na sala portuense.
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"As revoluções não vencem nem perdem - alteram a realidade". É com esta frase que Nuno Cardoso se posiciona face aos temas de "A morte de Danton", a sua primeira encenação enquanto diretor artístico do Teatro Nacional São João (TNSJ), no Porto, que estreia na quarta-feira e fica em cena até 29 de setembro.
Qualquer associação simbólica entre o espetáculo e a entrada em funções do novo diretor deverá ser feita com prudência, diz Cardoso, pois só a partir de 2020 será inteiramente "reconhecível" o seu papel na programação do TNSJ, que até ao final do ano tem ainda marcas do seu antecessor, Nuno Carinhas.
Talvez seja preferível falar num longo diálogo que o encenador estabeleceu com o texto de Georg Büchner - cuja obra mais conhecida, "Woyzech", fora já montada por Nuno Cardoso no mesmo teatro, em 2005 - desde os seus tempos de estudante na Universidade de Coimbra. "Posso ter ganho algum distanciamento com o passar dos anos, mas a ligação à peça continua a ser epidérmica."
Escrita em cinco semanas no início de 1835, num período conhecido na história da Alemanha como "Vormärz" (antes da revolução de março de 1848 nos estados da Confederação Germânica), a peça acompanha os últimos tempos de Georges Danton (1759-1794), uma das figuras centrais da Revolução Francesa de 1789, primeiro presidente do Comité de Salvação Pública, personagem "entalada" entre a fação mais radical dos jacobinos (ou "montagnards"), encabeçada por Robespierre, e a sua perceção, sobretudo depois dos massacres de setembro de 1792, de que era necessária a conciliação e a "indulgência". Foi também acusado de corrupção e venalidade e acabou na guilhotina, a 5 de abril de 1794, em plena época do Terror.
A falha da revolução
Interpretado por Albano Jerónimo, Danton junta-se a um elenco de 40 personagens (onde se incluem outras figuras célebres da Revolução, como Robespierre, Saint-Just, Camille Desmoulins ou Louis Legendre, e também os "sans-cullotes", o tal povo que é o Minotauro e "precisa da sua ração de cadáveres", como se lê no texto). Apenas 13 atores fazem o desdobramento por essa multidão (dinâmica a que Cardoso já nos habituou) num espaço cénico dominado por uma estrutura industrial donde sobressaem três grandes ventiladores. A estrutura parece rachada, ecoando a "falha sísmica" da Revolução.
Nuno Cardoso não direcionou o seu trabalho para favorecer qualquer uma das fações envolvidas no Terror, isso caberá à interpretação dos espectadores, mas considera que "descendemos daquele colapso" e que a "Revolução Francesa criou o estado em que vivemos, o modelo tripartido que a UE ainda tenta preservar." E lembrou que mesmo Robespierre, associado essencialmente à violência, foi responsável por lançar as bases do ensino público gratuito e da reforma agrária, e proferiu o primeiro discurso anti-racista (o fim da escravidão colonial foi uma das medidas da Convenção). Por fim, recordou ainda que "nenhuma destas personagens chegou aos 40 anos, e Büchner escreveu o texto com 21, o que faz de Jim Morrison e outras figuras de cultura pop uns meninos."
Na última récita do espetáculo, a 29 de setembro, a peça será traduzida em Língua Gestual Portuguesa e terá audiodescrição.