Eduardo Lourenço e a mulher, Annie Salomon, compraram casa, em 1974, em Vence, na Provença (sudeste da França), região limítrofe da Itália, de onde está separada pelos Alpes Marítimos. É uma pequena vivenda, entre árvores e flores, com melros a cantar, escondida por uma sebe de 50 ciprestes que o próprio Eduardo Lourenço plantou.
Corpo do artigo
"Foi a única coisa que verdadeiramente eu fiz em toda a minha vida. O que eu suei! Pensei que morria...", confessava o ensaísta, em maio de 2003, dialogando com o jornalista José Carlos de Vasconcelos, da Direção Editorial da revista "Visão".
Após terem vivido nove anos em Nice, em cuja universidade ambos lecionaram, Annie (falecida em 2013 com 85 anos) e Eduardo compraram a casa a 20 quilómetros daquela cidade, em Vence, cidadezinha medieval com cerca de 15 mil habitantes.
"O Eduardo dizia: eu ainda fico aqui, debaixo do último cipreste que plantar", recordava ao mesmo jornalista Annie Salomon, professora de Literatura de Língua Espanhola.
A casa fica afastada do centro de Vence, na Avenue de Provence, n.º 1130, uma estrada ladeada por árvores frondosas. Cerca de duas décadas depois de o casal se ter instalado ali, a própria casa também já apresentava algumas alterações. Primeiro, a antiga garagem foi transformada em escritório, para Eduardo Lourenço ter tranquilidade para trabalhar.
Inicialmente, Annie pensou que o problema dos livros estivesse resolvido mas, com o passar do tempo, a nova garagem também se encheu de livros, "desalojando" o automóvel, que passou a ser arrumado num telheiro, praticamente ao ar livre.
Eduardo Lourenço referia-se com frequência à ótima localização daquela casa - paisagem soberba, desde o vale até ao cume dos Alpes -, numa região tradicionalmente escolhida por artistas, sobretudo pintores. Paul Cézanne, um dos seus famosos moradores, nasceu em Aix-en-Provence. Aliás, a temperatura e a luz provençais atraíram também artistas como Matisse, Green, Chagall e Picasso, embora o primeiro (pintor precursor do "fauvismo") tivesse ficado mais ligado a Vence.
Recorda-se que uma prolongada doença tinha levado Henri Matisse a Cimiez, onde ficou a residir no Hotel Regina, no início da década de 1940. Ali, teve como enfermeira Monique Bourgeois, a quem se deve a ligação do pintor a Vence, para onde se transferiu em 1943. Entretanto, Monique fez-se freira e, em 1946, já Irmã Jacques-Marie, pediu-lhe que fizesse os vitrais para a Capela do Rosário, erguida para o Convento das Dominicanas. O pintor, entusiasmado, não se ficou pelos vitrais - nas cores amarela, verde e azul -, mas desenvolveu trabalho que durou de 1949 a 1951, envolvendo desenho do próprio templo (também conhecido como Capela Matisse), decoração das paredes e, até, o projeto do sino da capela que, durante muitos anos, recordara a Eduardo Lourenço que eram horas para almoçar.
Já aposentado, o ensaísta deitava-se tarde, levantava-se cedo (às oito e meia, nove horas) e, depois do pequeno-almoço, começava por ir comprar jornais e revistas, logo de manhã. Lia de tudo - "Le Monde", "Libération", "Fígaro", "Le Nouvel Observateur", "Le Point", "L"Express", "Magazine Littéraire", "La Repubblica -, embora sem a voracidade com que lia aquilo que lhe chegava de Portugal (revistas e jornais, incluindo mesmo alguns periódicos locais).
Na área onde residia viviam cerca de 300 portugueses ("vieram quase todos da zona de Espinho", como ele dizia), mas Eduardo Lourenço conhecia muito poucos.
No dizer de Eduardo Lourenço, a cidadezinha de Vence foi a última etapa de um longo exílio - que começou em Hamburgo em 1953, quando tinha 30 anos, e o levou a Heidelberg, Montpellier, Salvador da Bahia e Grenoble -, assim como foi um local escolhido também pela altitude e pelo clima, que se revelou salutar para a asma de Annie Salomon.