Auscultadores nos ouvidos, boca perto do microfone, um clique no rato do computador e começa uma nova gravação do programa de rádio "Mais Nozes que Vozes".
Corpo do artigo
Todos os meses, o estúdio da Engenharia Rádio na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP) recebe doentes da clínica de psiquiatria do Hospital de São João. Prontos a dar voz às suas opiniões sobre temas quotidianos e a desligar as realidades paralelas.
O projeto começou em 2011, com a ajuda da licenciatura de Ciências da Comunicação da Universidade do Porto, mas só desde maio deste ano é que a gravação acontece num estúdio. "O objetivo foi sempre que o projeto fosse mais fora do hospital do que dentro", explica João Viana, terapeuta ocupacional, que acompanha e participa com os utentes nas gravações.
A equipa de "locutores" variou ao longo dos anos: alguns doentes foram encaminhados para a terapia radiofónica e outros entraram, mas decidiram sair por falta de interesse ou devido ao agravamento do estado de saúde.
O grupo tem reunido cinco pessoas em cada gravação. "Não temos qualquer tipo de limitação nos utentes que podem participar", acrescenta o terapeuta ao JN. As patologias podem ser diversas, desde a doença mental grave, como a esquizofrenia, ou outros problemas relacionados com a ansiedade e as alterações de humor. Durante 30 minutos de emissão, a doença fica de fora das quatro paredes do estúdio. Fala-se de tudo: das férias, dos livros, do comércio tradicional no Porto, menos da razão que os levou até lá. "O sítio mais indicado para falar sobre a doença é na consulta", esclarece João Viana.
Ambiente informal
Cada emissão tem uma tertúlia com um tema. O programa de novembro foi sobre o "Halloween e as tradições de ontem e de hoje do Dia das Bruxas". Miguel, Nuno e Paulo (nomes fictícios) recordaram os tempos em que o pão por Deus pedido às portas era a moda. Reconheceram "não ter idade" para se mascarar ou para "copiar as Américas".
Falaram também de filmes de terror, do medo e do como este sentimento os pode retrair. "O medo entranha-se, temos de o enfrentar", explica um dos "locutores".
A conversa gravada entre microfones servirá também para melhorar a capacidade comunicativa de cada um. "Tentamos ajudar, para que o discurso seja fluído e o ambiente informal", afirma Filipe Borges Teixeira, coordenador geral da Engenharia Rádio, que fornece o equipamento e o espaço. Neste estúdio, uma vez por mês, a rádio tem uma voz própria que não a dos males inibidores da mente.