Governo acusado de legislar a conta-gotas. Prazo para o reagendamento de eventos não está estipulado.
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A proposta de lei que estabelece o regime de fruição e reembolso para eventos culturais não realizados até ao dia 30 de setembro deste ano - e que vai ser votada amanhã (quinta-feira) na Assembleia da República - pode ser fintada tanto pelas promotoras de eventos como pelos próprios equipamentos culturais. A prova é que já há instituições a receberem queixas por recusarem restituir o valor dos bilhetes pagos por espetáculos não realizados.
Em causa está a confusão entre os verbos realizar e reagendar. A proposta de lei estabelece o prazo de um ano para a realização dos eventos que não puderam acontecer devido à covid-19, mas nada diz em relação ao prazo em que deve ser anunciado o reagendamento desses eventos. Um promotor pode assumir que o prazo para a realização e para o reagendamento é o mesmo. O portador de bilhete pode ter outro entendimento, e assumir que a ausência de nova data equivale a cancelamento. E pretender, por isso, reclamar o valor do bilhete pago.
Um exemplo concreto apurado pelo JN: quem adquiriu bilhete para o concerto de hoje de Maria Rita com o Quarteto Jobim, na Casa da Música (CdM), no Porto, não está a conseguir reaver o dinheiro do bilhete, apesar de não haver ainda nova data para o espetáculo. Contactada pelo JN, a produtora Espelho de Cultura garante que o espetáculo será "reagendado", mas não sabe quando. "A lei dá o prazo de um ano para que se realize", insiste a responsável Diana Valente Perfeito, alegando não saber "quando e em que condições" poderá realizar o concerto. E culpa o Governo. "Legisla a conta-gotas" e "não definiu condições para a lotação para as salas" a partir de 1 de junho.
Salas que dão o exemplo
O JN contactou a Inspeção-Geral das Atividades Culturais (IGAC), responsável pela fiscalização das casas de espetáculos, mas a resposta não varre o equívoco entre realizar e reagendar. "Tem direito ao reembolso se o espetáculo não se realizar no prazo de um ano a contar da data para que estava inicialmente agendado".
A proposta de lei foi redigida a pensar nos festivais de verão. Nesses casos, a sua aplicação é simples: os promotores emitem um vale ao portador do bilhete, que é válido até ao dia 31 de janeiro de 2021. Se o consumidor não puder marcar presença na futura edição do festival, terá 14 dias para solicitar o reembolso do bilhete. Em alternativa, pode marcar presença num evento equivalente do mesmo promotor. Por exemplo, quem comprou bilhete para o Meco pode optar por ir ao Sudoeste, uma vez que os dois festivais são organizados pela Música no Coração.
Situação diferente é aquela que abrange os portadores de bilhetes para concertos únicos. Perante a inexistência de concerto na data inicial, a proposta de lei estabelece que "os agentes culturais devem publicitar o cancelamento do espetáculo ou a nova data para a sua realização".
Mas é justamente neste ponto que os agentes culturais divergem: a produtora Espelho de Cultura entende que tem um ano para decidir. Já fonte do Centro Cultural de Vila Flor, em Guimarães, adiantou ao JN que "sempre que não puder efetuar-se o espetáculo no local, data e hora marcados, o valor do bilhete será restituído". O Theatro Circo segue a mesma cartilha. "Para nós, é um princípio", assegura Paulo Brandão, diretor da casa bracarense, ressalvando que o objetivo é manter a relação de confiança entre a casa e o público. O dinheiro pode ser levantado a partir de 1 de junho.