A 12ª edição do GUIdance- Festival internacional de dança contemporânea encerrou este sábado, no Centro Cultural Vila Flor, em Guimarães. Foram dez espetáculos, grande parte esgotados, demonstrando o acerto da aposta e dezenas de atividades paralelas, entre debates, conversas, masterclasses e sessões de cinema. Último fim de semana do certame encerrou com a diversidade que prometia a jusante.
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"Jungle Book reimagined" da companhia de Akram Khan, peça em estreia nacional cumpriu o desígnio de melhor obra apresentada no GUIdance.
A visão do coreógrafo britânico de origem bangladeshiana, da história de Rudyard Kipling, comprova a máxima de que a autenticidade irá sempre sobrepor-se a qualquer outra qualidade artística. Na visão de Khan, a história de Mowgli o menino da Selva é recontada, numa realidade moderna pós apocalíptica sob o forte impacto das mudanças climáticas. Mowgli é uma refugiada num mundo devastado pelo impacto das alterações climáticas, com avisos Orwellianos a serem debitados constantemente através de um rádio: "As águas vão subir, fujam para sítios altos, morreram milhares de espécies". A sua família acaba por não sobreviver à viagem de jangada durante a subida das águas e aqui começa a nova aventura de Mowgli, reentrando na narrativa original com o urso Baloo, a pantera Bagheera e a pitão Kaa.
Poucos coreógrafos têm uma capacidade tão aguçada de expressar sentimentos através do movimento, como Akram Khan. Não há esforço, mimetizações ou qualquer tipo de usos postiços ou exageros, algo consolidado pelo extraordinário nível técnico do elenco. No seu vocabulário coreográfico há uma singularidade transposta pela importação de linguagem Kathak no seu léxico contemporâneo que lhe dá um travo único.
Mas, a qualidade criativa mais espetacular desta produção, chega com a animação feita pela YeastCulture, que dá vida, através de várias telas sobrepostas em palco, ao mundo e aos animais - elefantes e girafas que escaparam de zoológicos; ratos e macacos de laboratório, que interagem com os bailarinos. Uma experiência cinematográfica poderosa, de um nível técnico irrepreensível, com um crescendo que culmina com uma das últimas cenas com o aumento das ondas do mar.
A paisagem sonora do compositor Jocelyn Pook e Gareth Fry agudizam o estado de maravilhamento permanente, narrado e legendado em português para todos os públicos. O espetáculo estará no Centro Cultural de Belém, em Lisboa, nos dias 17 e 18 e é imperdível.
Aquele que não se parece consigo mesmo parece-se sempre com alguém
"Aqueles que foram vistos a dançar foram julgados loucos por aqueles que não podiam escutar a música". A frase atribuída a Friedrich Nietzsche, parece resumir na perfeição o espetáculo "Soirée de études", do belga Cassel Gaube, apresentada na sexta-feira à noite, no festival.
A produção apresenta várias fragilidades, logo a abrir o coreógrafo justifica, de microfone na mão, que o que vai apresentar é "um estudo sobre os movimentos house dance, movimento nascido nas discotecas em Chicago que engloba hip hop, sapateado, capoeira e sapateado e que para tal é necessário que o público desligue o bluetooth".
Os três intérpretes saídos de um qualquer anúncio da Calvin Klein- muito anos 1990, calças de ganga e camisola branca - começam uma delongada série de 45 minutos de movimentos repetitivos, em completo silêncio, para o público. Se o exercício pode parecer interessante nos primeiros cinco minutos, com a cadência de sons que vão criando com os pés e a sincronia, torna-se entediante a partir daí. Pela repetição de movimentos, pela ausência de música, pela luz branca sobre linóleo branco e também pelas paragens que fazem para beber água, dando uma aura de displicência a todo o trabalho.
Talvez a experimentação possa ser interessante do ponto de vista do intérprete, mas do ponto de vista do público torna-se fatigante. O espetáculo finaliza com os três intérpretes a dançar um tema com luz de palco, mas sem grande apoteose. A experiência de dançar com a música audível, apenas para os intérpretes, já foi feita demasiadas vezes e há décadas, não conseguindo sequer primar pela originalidade.
Dizem que a viagem é mais interessante do que o destino, mas neste caso não o é, havendo uma acentuada clivagem entre a qualidade deste espetáculo e a restante programação apresentada.