Gaya de Medeiros abriu a 12ª edição do festival GUIdance- Festival internacional de dança contemporânea, na quinta-feira à noite, num esgotado Centro Cultural Vila Flor, em Guimarães.
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A abordagem dramatúrgica de Gaya de Medeiros é incisiva, mas com um sentido de mundanidade cómico, há genitais que se picam na relva, há dor e como uma guilhotina sobre a cabeça dos espectadores cai o aviso: "Não vai correr tudo bem".
Há emoções e pessoas varridas para debaixo do tapete, mesmo quando este é de relva verde. Como um prenúncio de que o abismo é o que nos espera. Quando levantarmos o tapete o que vamos encontrar? Encontramos um coletivo de cinco artistas trans- fazem por frisá-lo durante o espetáculo - que nos contam o que se passaria se os seus corpos não falassem antes de si, como se estivessem constantemente legendados e não conseguissem falar sobre nada mais.
A biologia é uma temática recorrente, contam-nos fábulas sobre os corações maiores à face da terra, a forma de parir das girafas, como as criaturas se agarram para sobreviver e como a vida encontra sempre, de uma ou outra forma, o seu caminho. Numa lógica de teatro artesanal, sem grandes artifícios, interpelam o espectador, leem poemas, passam a palavra com o microfone, e usam como gags os recursos à repetição, deixando o público, instalado no palco, a um nível de verdade bruto.
A voz de Labaq, espectral, resume as saudades da mãe, figura omnipresente em todas as fábulas, a mãe umbilical, a mãe como fonte de dor e de alívio.
Mas nem todas as cenas são dilacerantes, também as há histriónicas, como uma contagem de compasso de amalgama flamenca que fazem a dado momento do espetáculo. Se não acentuarmos os compassos musicais sempre no mesmo sítio, poderemos chegar a paisagens randómicas. A dança propriamente dita é feita de movimentos de capoeira, como uma luta de alguém que se encontra em revolução, lutando contra si e contra todos, acompanhado de um som de uma fanfarra funesta.
Não há maior dor do que a da comédia, e Gaya de Medeiros joga esse jogo magistralmente. Num abraço em concha pede à "concha grande" que lhe diga coisas bonitas. "Amo-te muito, loucamente"."Não me digas nada disso, fala-me sobre a reforma agrária", as gargalhadas são gerais. Mas talvez seja só o cinismo perante o amor prometido.
Há colo, há carinho, há dor e no fim "é a relação íntima com o baque que prepara o corpo para a vida". E todos precisam desse baque.
Uma emocionante forma de inaugurar o GUIdance que se prolonga até dia 11.