Artista portuguesa em crescendo atua hoje na Casa da Música, no Porto, com a Orquestra Jazz de Matosinhos.
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“A pequena é muito meticulosa”, diz o maestro Pedro Guedes de forma ternurenta, enquanto encara Ana Lua Caiano com um sorriso desenhado no rosto. Estamos no ensaio que junta a Orquestra Jazz de Matosinhos com a jovem cantora e compositora e Pedro Guedes é o diretor do concerto que esta noite, às 21.30 horas, vai encher a sala Suggia da Casa da Música, no Porto.
O diretor diz que a sua Orquestra, uma formação que já tem 28 anos, é “um instrumento ao serviço dos artistas portugueses”, um lugar de experimentação que dá visão nova às músicas dos compositores que acolhe. “Pegar numa música que está a começar a ser feita” e introduzi-la na grande banda foi o maior desafio para o condutor, quando posto em perspetiva com colaborações que já teve com artistas consolidados como Sérgio Godinho, Manel Cruz, Manuela Azevedo ou Salvador Sobral.
Descobrir as harmonias
A eletrónica é uma parte fundamental na música de Ana Lua Caiano. O diretor confessa que não viu sentido em replicar os sons deste género na Orquestra: “É preciso criar uma coisa nova”, diz ao JN, mantendo o princípio da simplicidade que Ana Lua usa nas melodias. Essa simplicidade foi vantajosa para a Orquestra, por ter todo um leque de possibilidades para complementar ou dar ênfase a certos elementos. Mas, ao mesmo tempo, é uma característica frágil. O estilo tão próprio da jovem artista torna qualquer arranjo um desafio na preservação da essência do seu som.
“Gosto de ir descobrindo as harmonias a partir das harmonias das vozes, que vão aparecendo de forma mais intuitiva”, conta Caiano. Apesar da formação em música clássica e em jazz, a compositora não parece aplicar esse conhecimento de forma direta. O seu processo de criação distancia-se de quaisquer formalidades musicais – e o resultado surpreende: uma melodia feita para guitarra pode, assim, surgir transfigurado num solo de piano que “quase toca na música clássica”.
Ana Lua Caiano interessa-se por estas novas abordagens à sua música, quer pela Orquestra Jazz de Matosinhos, quer por outras bandas com que colaborou, e incorpora essas perspetivas nos arranjos que faz para novas composições.
Deixem o morto morrer
Num primeiro ensaio conjunto, Ana Lua segura-se de uma forma quase tímida aos seus fiéis companheiros – o sintetizador e o bombo –, enquanto os músicos da Orquestra tomam conta da sua música com pompa e circunstância. Ouve-se “Deixem o morto morrer”, uma das músicas mais acarinhadas pelo público.
A figura pequena da artista contrasta com o som que se agiganta nos sopros, na percussão e no piano. Há uma exaltação da essência daquilo que é a música de Caiano, que já chegou até à Color Studios, gravadora alemã que procura talentos emergentes. A Orquestra incorporou-lhe um explosivo solo de percussão que não deixa o morto morrer, ao qual se junta um saxofone. O final fica a cargo dos sopros, nuns cansados segundos que finalmente deixam o morto ir em paz (e exausto).