Documentário de André Guiomar sobre a comunidade do bairro da Invicta ganha prémio em Bilbau e estreia segunda-feira no Porto/Post/Doc.
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Quando se estrear na segunda-feira à noite no Porto/Post/Doc, o novo filme de André Guiomar "A nossa terra, o nosso altar" já chega premiado. O retrato dos moradores do demolido e problemático Bairro do Aleixo, no Porto, fundado na perda sentida pela comunidade, chamou à atenção do júri do ZINEBI 62, o Festival Internacional de Cinema Documental e Curta Metragem de Bilbau e que atribuiu ontem ao trabalho do autor português o prémio destinado a uma primeira obra.
André Guiomar, que tem no documentário a sua primeira obra de longa duração, confessa ao JN que foi parar ao Aleixo quase por acaso. "Estava na altura como assistente do Luís Vieira Campos, que tinha feito um trabalho maravilhoso com o [a curta, também sobre o Aleixo] "Bicicleta" e que conhecia bem aquele bairro como comunidade. Quando surgiu a oportunidade de filmar fomos para campo".
Era ainda 2013. A torre 5 tinha sido demolida por Rui Rio dois anos antes e, em fevereiro, iria abaixo a torre 4. André capta a revolta e a incerteza de quem ficou no bairro. "Tentei filmar os moradores enquanto comunidade. O dia a dia, mas também os eventos, os rituais e as festas", refere o realizador, acrescentando que, de 2013 a 2019, "o filme foi mudando".
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Força vira ansiedade
Há "um hiato de seis anos" na narrativa, embora os seus principais protagonistas se mantenham. Com a saída de Rui Rio da liderança da Autarquia, a demolição fica temporariamente suspensa até que o atual presidente, Rui Moreira, avança com a demolição das três torres restantes e o realojamento das famílias. André Guiomar, que estava a filmar em Moçambique, regressa, em finais de 2018, para completar o trabalho.
"Enquanto que em 2013 encontrei uma comunidade cheia de força, em 2019 as mesmas pessoas estavam fartas e à espera de uma solução", explica. "São esses momentos de ansiedade pela carta de despejo" que são retratados. José da Silva (o Zé da Bina) é a figura central masculina do filme, mas é em volta da dor da irmã, Maria João, que toda a história se desenrola. A irmã Neta (Maria Antonieta da Silva) acabaria por morrer durante as filmagens, assim como o filho Israel (Filipe Ferreira), atleta da Associação Desportiva e Recreativa da Pasteleira, aos 21 anos, num acidente de viação na EN14, na Trofa.
A homenagem que a família presta certa noite no local do acidente, no nó da Carriça, são as únicas cenas filmadas fora do bairro. "Maria João e Luísa tornam-se os pilares de uma organização familiar matriarcal. Há muito poucos casais abaixo dos 50 anos e são as mulheres que restam no bairro. A Maria João perde a irmã, o filho e perderia o irmão alguns meses após a última demolição", explica André Guiomar. "Nunca me tinha acontecido chorar a filmar e no Aleixo aconteceu-me várias vezes", admite o realizador.
André prepara já o seu próximo trabalho de realização. Uma curta-metragem que acompanha de perto uma das famílias que conheceu no Aleixo, e a sua segunda longa, filmada em Moçambique, também da Olhar de Ulisses, que produziu "A nossa terra, o nosso altar".
Uma longa história de problemas
O Bairro do Aleixo foi inaugurado em 1974 para receber famílias da Ribeira que viviam em más condições. Apesar da sua dimensão (cinco torres com 13 andares e um total de 320 casas), o bairro vivia afastado da cidade e rapidamente se transformou num gueto. O tráfico de droga chegou para ficar na década de 80 e, para solucionar um problema social, os políticos optaram pela demolição. Prometeram-se casas novas e criou-se um fundo imobiliária para a gestão dos valiosos terrenos. Até hoje, a Câmara do Porto recebeu apenas uma pequena parte das habitações prometidas. As famílias acabaram realojadas noutros bairros municipais.