"Há dias em que o coração aperta de tantas saudades. Não me adapto e vou por aí fora, a pé até lá onde faço compras, onde conheço toda a gente. Quando os nossos meninos chegam lá e veem tudo arrasado começam a chorar", conta Helena Campos, a Lena "Russa" do filme realizado por João Salaviza e Ricardo Alves Jr. "Cheguei a ir a Berlim e o filme ganhou um prémio no Indie Lisboa", conta. Saiu do Aleixo há um ano, quando saíram os últimos moradores do bairro.
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Foram realojadas em casas camarárias espalhadas pela cidade. A maioria ainda não se adaptou à nova habitação e quer pedir à Domus Social, empresa municipal de habitação da Câmara do Porto, desdobramento para ficar mais perto de onde sempre moraram.
"Fomos realojados à pressa para quê? Aquilo agora está lá sem construção nenhuma e continua a haver droga. No Aleixo, a situação não era boa, mas também não era tão má como diziam. Havia droga como há noutros sítios e o Pinheiro Torres não está pior porque já antes havia tráfico", diz Talina (diminutivo de Natália) Ferrão.
Foi em setembro de 2018 que o presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira, anunciou o realojamento das 270 pessoas (89 famílias) que ainda viviam nas torres 1, 2 e 3 do Aleixo que seriam depois desmontadas.
"Muita da nossa vida ficou ali. Está ali naquela terra. Mas a alma do Aleixo não se perdeu! Nunca vai morrer porque está no coração de todos os que lá viveram", diz Lena, que tal como Talina está agora no Bairro de Francos. "Não me consigo habituar. Continuo a fazer as minhas compras em Lordelo. Vou lá ao talho, à mercearia, ao médico e à farmácia. Aqui nem sei onde fica a Junta de Freguesia!", acrescenta. A sobrinha Tânia confirma com a cabeça.
"Quando não tenho dinheiro continuo a ir à Casa Silvério porque lá ele fia e depois a gente paga quando pode", conta Talina. É lá que encontram os antigos moradores. A Luísa da torre 2, "filha da falecida Zezinha", a Nanda "Papa-léguas", a Lurdes, a Mónica e a Rosa. Muitos entretanto faleceram, como é o caso do pai da Rita e do Jorge Alves. Outros ainda residem pela zona de Lordelo do Ouro, sobretudo nos agora problemáticos Bairros de Pinheiro Torres e da Pasteleira Nova.
É para lá que Lena e Talina querem ir. As casas de Francos "estão cheias de humidade", as cozinhas são pequenas, sem despensa. "É aconchegadinha, mas não podemos receber ninguém. No Natal tenho de pôr o sofá lá fora", explica Lena. Preferem os bairros de Lordelo ou Mouteira.
"Até gosto das minhas vizinhas, mas não quero estar aqui, quero ir para a minha área", diz Talina, que foi da Ribeira para as novas Torres do Aleixo com 11 anos. Helena tinha 12. Hoje dividem as casas com os filhos, sobrinhos e netos.
Um nome que vem de dentro
A Associação de Promoção Social da População do Bairro do Aleixo continua a existir e funciona num edifício cedido pela Câmara nas Condominhas. Tem jardim de infância e ATL.
José Renato, presidente da associação, prepara uma candidatura ao programa Pares para a criação de uma creche. Os sócios já pensaram em mudar o nome da associação, agora que o bairro deixou de existir. "Mas o nome Aleixo está no nosso ADN", explica José Renato.
Pormenores
Transferências - Os moradores do Bairro do Aleixo foram realojados pela Domus Social depois de apresentaram três localizações à sua escolha. Ao fim de um ano, dizem ser possível pedir transferência para outra casa.
Empreendimento - O Fundo de Investimento Imobiliário criado para gerir o projeto do Aleixo apenas entregou 15 das 146 casas previstas. Só pode construir o empreendimento de luxo após a entregada da última casa à Autarquia.