António Sequeira fala ao JN de “A Minha Casinha”, já nas salas de cinema.
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Filmado em Baião, de forma independente e por um argumentista e realizador que cursou cinema em Londres, António Sequeira, “A Minha Casinha” conta também a história de um jovem que parte para o estrangeiro para estudar e, quando volta de férias, percebe que a irmã mais nova tem o mesmo sonho, mas não sabe como o comunicar aos pais. “Dilme português para os portugueses”, já está nas salas de cinema. O realizador esteve a falar com o JN.
Como é que se produz um filme de longa-metragem fora dos centros de decisão e sem os meios habituais de financiamento?
Eu estava em Londres e queria muito fazer um filme em Portugal. Sabia que o sistema habitual era através do ICA mas tomei a decisão de seguir em frente na mesma e fazer o filme de forma independente. Em vez de ficar anos e anos à espera de financiamento tentei outros métodos.
Como conseguiu então montar o projeto?
Falei com vários municípios e o de Baião decidiu apoiar o filme em termos logísticos. E encontrei atores que gostaram tanto da história que aceitaram fazer o filme por valores baixíssimos. Fui angariando a equipa toda com a paixão pela história que queria contar. Foi isso que tornou possível fazer um filme com esta dimensão com tão pouco orçamento.
Como é que se posiciona face ao cinema português?
Sinto que o cinema português é pouco diverso, em estilos e géneros. Eu estudei fora e tenho uma perspetiva ligeiramente diferente. Foi esse o meu pensamento, fazer um filme em Portugal que os portugueses não estão habituados a ver. Que as pessoas se pudessem identificar com o tema. Normalmente ficam um bocadinho indiferentes e afastadas de certas narrativas. Eu queria fazer algo diferente, mas que não fosse apenas a comédia básica, que fizesse pensar e ao mesmo tempo entreter.
A criação da sua própria companhia é outro passo nessa tentativa de criar um tipo de cinema diferente entre nós?
É esse o objetivo, fazer algo com esperança, que não seja deprimente. Hoje em dia as notícias já são por si mesmas deprimentes, as pessoas precisam de um pouco mais de luz. Quero fazer filmes assim, que só pelo facto de não serem deprimentes não queira dizer que não sejam profundos. Que sejam capazes de pôr as pessoas a questionar e a debater.
O argumento passou pelo prestigiado Torino Lab. Qual foi a importância efetiva desse dispositivo para o desenvolvimento do seu projeto?
Quando fomos escolhidos ficámos muito contentes, o Torino Lab é muito procurado por muitos argumentistas europeus. Foi uma experiência muito importante. Estive uma semana em Itália, com pessoas e histórias diferentes e uns tutores a guiar-nos e a questionar-nos e a fazer-nos pensar nas nossas histórias de maneiras diferentes. Aprendi exercícios sobre as personagens. Foi uma experiência muito importante para o filme.
Há algum aspeto autobiográfico nesta história?
É óbvio que há, eu também fui estudar para Londres quando tinha 18 anos. Tem elementos que foram retirados da minha vida, outros foram de alguns amigos e familiares e pessoas que tinham passado pela mesma situação. Apercebi-me que era uma história que precisava ser contada, que tinha potencial. Também fiz uma pesquisa a várias famílias no interior e tentámos encapsular isso no filme.
O facto dos jovens saírem para fora não é um fenómeno novo, mas acentua-se com a falta de oportunidades e a crise habitacional, o que torna o filme bem atual…
Nesse sentido o filme é muito tópico. Portugal é um dos países em que as pessoas mais têm de emigrar. Sempre foi assim historicamente, mas agora há outro tipo de emigração, a do século XXI. Os jovens saem para estudar e para conseguir trabalhos mais qualificados. Também somos o país da União Europeia em que os filhos saem mais tarde de casa dos pais. Era importante falar destes temas.
A história e os diálogos são tipicamente portugueses, mas venceu o prémio do público num festival importante num país completamente diferente, os Estados Unidos.
Termos sido selecionados para Austin já foi muito bom. Estávamos um pouco receosos porque estávamos a mostrar um filme com legendas, algo a que os americanos não estão muito habituados. E o filme tem tantos elementos culturais portugueses. Mas mal o filme começou a reação das pessoas foi até estranhamente positiva. Ficaram mesmo presas ao ecrã, a rir ou a chorar. Não estava nada à espera, mas mostrou a universalidade do tema. Foi aquela reação visceral que nos mostrou que o filme toca realmente as pessoas.
O que espera agora da reação do público português ao seu filme, sabendo que há este permanente divórcio com o cinema português?
Não quero fazer previsões. Mas gostava muito que os portugueses fossem ver o filme. Está a ser difícil combater esse divórcio. Penso mesmo que, se superarem esse problema e forem ao cinema, vão gostar do filme. Cada espetador tem uma personagem para se identificar, o pai, a mãe, o filho ou a filha. No debate nos Estados Unidos cada pessoa tinha uma personagem com que se identificou mais ou de quem se sentiu mais perto.
Tem outros projetos em carteira?
Está muito dependente do sucesso deste. Foram três anos de trabalho para que este projeto existisse. A minha ideia é continuar a fazer filmes em Portugal e em português. Mas se não conseguirmos combater esse divórcio terei de voltar para Londres e fazer filmes no estrangeiro.