“Dulcineia”, novo drama existencial do realizador portuense Artur Serra Araújo, chega esta quinta-feira às salas. Filme adapta romance de João Tordo “O ano sabático”.
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Deixando Marrocos e a namorada para trás, Hugo volta ao Porto e instala-se no sofá da irmã, apesar do cunhado não estar de acordo. O sobrinho é autista e tem como cuidadora a jovem Dulcineia, nome que Hugo dá a uma composição musical que há muito anda a escrever. Num concerto a que assiste, com um músico da moda, descobre que este lhe roubou o tema. Como foi possível?
Para o descobrir, ou não, tem de ir aos cinemas ver “Dulcineia”, que Artur Serra Araújo retirou do romance de João Tordo, “O ano sabático”, para a sua terceira longa-metragem. O novo drama estreia nos cinemas na próxima quinta-feira.
Como nasceu este filme?
Partiu de um desafio do produtor Rodrigo Areias de adaptar ao cinema um autor português contemporâneo. Fiquei um pouco perdido – apesar de ser um ávido leitor, não tinha nenhum escritor português preferido. E muitos não são propriamente narrativos, são difíceis de adaptar.
Como chegou ao João Tordo?
Foi-me sugerido por um amigo, um argumentista que tenho em boa conta. Fui lendo a obra dele com calma, desde o primeiro romance, “O bom inverno”.
O que o seduziu?
“O ano sabático” conquistou-me pelo síndroma do impostor, por alguém estar a ocupar a nossa vida e a desfrutar da nossa felicidade, e pela questão da originalidade, se será ou não uma ilusão. Penso muito nisto tudo, como é que construo o meu processo criativo. Às vezes estou a ver um filme à noite, é aí que me sinto desperto para escrever e penso se aquele filme não estará a contaminar a minha originalidade.
Já alguma vez viu um filme e pensou que o autor lhe roubou uma ideia?
Com o “Suicídio encomendado” surgiram alguns casos a seguir, o que me levou a pensar se, com tantos temas no mundo, tinham de abordar o mesmo que eu e da mesma forma. Se calhar, também tinha sido inspirado por alguma coisa que tinha visto antes.
Trabalhou com o João Tordo a adaptação para a tela?
Na nossa última conversa, o João disse-me que eu podia fazer o que quisesse, porque quanto mais o guião se distanciasse do livro dele melhor seria. Isso fez-me respirar um pouco de alívio, porque me sentia condicionado e estava a tentar seguir a narrativa dele e com dificuldade em excluir do guião alguns elementos do livro. Havia repetições que funcionavam bem no livro porque a experiência do leitor se prolonga normalmente por várias semanas, mas para o espectador de cinema é muito reduzido.
Foi essa liberdade que lhe permitiu alterar o título para “Dulcineia”?
O tema musical que está na origem da história já se chamava “Dulcineia” no livro. Eu sentia que o filme era mais acerca deste tema e da forma como teria sido criado por duas pessoas, ao passo que o livro se centrava muito no passado do Hugo e no ano sabático.
Como é que trabalhou o António Parra as duas personagens que ele interpreta no filme?
O Parra tem bastante experiência em teatro e uma fisicalidade muito forte. Centrámo-nos muito na postura e no antagonismo entre os dois instrumentos, o contrabaixo e o piano. O piano é um instrumento elegante, por vezes é um elemento decorativo na sala e brilha numa orquestra; o contrabaixo está sempre em segundo plano. O Parra trabalhou nisto, na tonalidade da voz. A caracterização fez o resto.
Na sua vida, qual é a importância da música?
É imensa. Principalmente o jazz. Sou colecionador de vinis. E passou a ter ainda mais importância a partir do momento em que comecei a trabalhar no filme. Interessa-me como a melodia no jazz se consegue partir e depois voltar a juntar. Como nos dá pistas entre o princípio e o fim, como vai terminar. Encontro alguns paralelismos com a estrutura narrativa de um filme.
O que espera da estreia nas salas?
Para ser honesto, não tenho grandes expectativas. Está complicado levar as pessoas às salas de cinema. Gostava que o filme tivesse oportunidade de ser visto e que houvesse espaço para o passa a palavra. O filme é um bocadinho híbrido no panorama atual do cinema português. Tem uma componente autoral, mas também tem uma componente narrativa e próxima do público. E que possa depois ser desfrutado nas outras plataformas. Mas sabemos que é difícil estrear um filme português no meio de tantas animações e filmes de super-heróis.