Após três semanas da última apresentação, o último momento em palco será este domingo, em Aveiro, e está nas mãos de Reckless Sleepers, às 19 horas, no Teatro Aveirense.
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No dia 6 de outubro, o Festival Internacional de Marionetas do Porto (fimp) abriu as cortinas de vários teatros para receber vários criativos de todos os cantos do mundo. O primeiro interveniente estreou o palco de forma absoluta, com “Armazém 88”, das Marionetas do Porto. Mas o tempo passa e o fim avizinha-se.
No limbo entre o início e o fim da semana, despedimo-nos da última presença em palco do Fimp’23. O encerramento foi confiado à proposta singular de Mole Wetherell e Reckless Sleepers, “Negative spaces”.
Mole Wetherell na sua essência é um artista visual, que estendeu a sua criatividade cruzando disciplinas. No teatro reivindica-se e em 1988 estabelece as suas primeiras raízes na companhia Reckless Sleepers.
Em entrevista com o JN, Mole Wetherell partilha que devido à sua principal vocação, baseou o nome desta peça num conceito base da área, no “espaço negativo”. Contudo, não foi apenas neste conceito da silhueta como a verdadeira imagem. Retirando ainda inspiração no espaço negativo do reconhecido paradoxo "O gato de Schrödinger", um exercício intelectual pensado por Erwin Schrödinger, em 1935.
Neste exercício, o físico introduz um gato hipotético fechado numa caixa. O criador desta peça não seguiu a mesma vertente. Após construírem uma estrutura de madeira do tamanho de uma sala e forrá-la com gesso cartonado deu-se início ao verdadeiro processo artístico, centrado “no que podíamos fazer com um produto tão frágil”.
A primeira faísca de uma ideia é leve, parte de algo simples que demora a ser mastigado. Para os Reckless Sleepers, segundo o seu diretor artístico Mole Wetherell, um dia lembraram-se de “e se a destruíssemos?”. O mesmo, admite ao JN que depois da primeira cadeira voar, o sentimento geral “foi elétrico”.
Um mês passou e “Negative space” nasceu, para contar uma história de amor, uma comédia, com drama, arrepios. Sem, em qualquer momento, ser proferida uma única palavra. Por vezes o corpo reage antes da nossa mente sequer conseguir aperceber-se da realidade que está a viver.
A cada projeto pensado, ideias são postas em cima da mesa, erros são cometidos, o caos instala-se, mas de forma organizada e a faísca torna-se chama, onde cada projeto começa a arrecadar uma identidade própria.
Na visão do criador, “esta identidade influência o que Reckless Sleepers produz a partir da última criação”. Havendo uma constante evolução do que é apresentado a público, onde a procura por “formas diferentes de retratar cada projeto num espaço” é incessante.
Esta obra estreou em 2014, no Compass Live Art Festival Leeds, em Inglaterra e já conta com cem récitas. Por muito que a arte seja finita e detenha a sua própria longevidade, Mole Wetherell confessa “sempre que achamos que a arrumamos, voltamos a ser requisitados, por isso se a pedirem voltamos a apresentá-la”.
Uma das variadas particularidades do artista é o papel central que detém em despertar a imaginação, permitindo aos observadores embarcar numa aventura que os transportam para o passado, relatam o presente e exploram o futuro. “Negative space” é um exemplo desta mesma liberdade que o teatro proporciona.
“Não queremos transparecer uma mensagem singular com esta atuação, porque existem duzentas interpretações possíveis, que, sim, podem colidir, contudo, isso não faz parte da essência desta obra”.
Conscientes da subjetividade artística, abrem as portas a debate após o espetáculo. Mole Wetherell partilha "assim que as cortinas fecham, toda a equipa troca rapidamente de roupa para conviver com o público".
Entre risos, o criador relembra “no final de um espetáculo um dos espetadores foram ter connosco e o primeiro comentário foi — não acredito! Como fizeram todas aquelas acrobacias com a vossa idade?”.
Esta apresentação única transparece as máximas de Reckless Sleepers, que organicamente enquadram-se no núcleo da programação do fimp’23. Em “Negative space” a manipulação de paradoxos é colocada em forma humana, a imagem a deturpar a realidade e, talvez a mais importante, arquivar emoções criadas sem proferir uma única palavra.
O Teatro Aveirense, em nova parceria com a cidade de Aveiro, vão ser os anfitriões de Mole Wetherell e os Reckless Sleepers, abrindo as portas às 19 horas, por 5 euros.
A seguir, as luzem apagam, a cortina caí levemente, faz-se silêncio e dá-se como encerrada a programação de palco do Festival internacional de marionetas do Porto deste ano.