Realizador apresentou em Berlim a curta-metragem "By Flávio"
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Em 2017, "Verão Danado" foi uma lufada de ar fresco, saindo premiado de Locarno e oferecendo ao cinema português um nome para o futuro. Agora, está de volta aos grandes palcos com a curta "By Flávio", em competição nessa categoria. O filme acompanha uma jovem, viciada no Instagram, num encontro com um rapper famoso nas redes sociais, que a quer convidar para estrela do seu próximo vídeo musical. Já em Berlim, o realizador falou ao JN.
O filme é uma crítica mordaz à utilização intensiva das redes sociais e dos telemóveis.
-Eu não veria tanto o filme como uma crítica às redes sociais ou aos telemóveis. Fazem parte da evolução da humanidade, e enquanto realizador tento acompanhar os tempos. Na realidade acho fascinante esta ideia de como o mediatismo foi ficando cada vez mais democratizado com o advento das redes sociais, nos dias de hoje, o alcance de um certo status quo, é igualmente acessível a uma funcionária de uma loja como a uma cantora.
Quem é esta personagem feminina?
A Márcia, a personagem central do filme, pensa assim também, a ambição de se ascender a uma figura pública, já não é desmedida para uma personagem como ela em 2022. O filme começa por retratar precisamente isso, a ambição de Márcia em tentar escapar à sua própria realidade através do mundo digital.
Mas o Pedro pertence a essa geração. Como é que se "defende" desse "vício"?
Eu próprio não me consigo defender disso, as fronteiras entre o mundo físico e o mundo digital são cada vez mais difusas. E faz todo o sentido que assim seja, faz parte do caminho da humanidade até ao etéreo, passamos da devoção à prática, ou tentarmos nós próprios ser as figuras dessa própria devoção. E o mais fascinante é que estamos apenas no começo desta era, as redes sociais de hoje são ainda a pré-história das redes sociais.
O argumento foi escrito também com a atriz principal, a Ana Vilaça.
O argumento foi escrito a três mãos, entre mim, a Ana e o Diogo S. Figueira, que é o mais argumentista de nós os três. Todos os diálogos foram pensados ao pormenor, de uma forma a que houvesse uma base muito forte sobre o ritmo da cena e sobretudo na intenção daquilo que os personagens diziam.
Não houve espaço para o improviso?
Abriu-se espaço, como gosto de fazer, mas desta vez, de uma maneira muito mais estruturada e com as intenções muito mais definidas. Mas sim, há sempre esta ideia de manter a improvisação, gosto de sentir que as personagens falam quase da mesma maneira como se falassem num documentário. Então para mim este foi o casamento perfeito, ter um argumento sólido com bons diálogos que depois pudessem ser improvisados.
A descrição do vídeoclip que o Schullz quer realizar é um momento antológico. Onde se inspirou para esse momento em particular?
Este era um momento crucial no filme, porque é o no fundo o momento de viragem, de quando passamos do campo da fantasia para a realidade. Este momento foi inspirado numa série de videoclips de rap, em que as mulheres são objetificadas, ou até mesmo representadas de uma maneira quase pornográfica. Para mim era importante desconstruir isto, e fazê-lo através da perspetiva da mulher. E sobretudo dar espaço para ela própria conseguir dar a volta a isso ao longo do filme.
Depois do sucesso do "Verão Danado" já fez duas curtas. Para quando a segunda longa?
Conto estrear a minha segunda longa "Entroncamento" para o ano, ou no limite 2024, mas antes tenho de a filmar, o que está previsto ser no final deste ano. A minha primeira curta, "Filomena", foi uma encomenda da Trienal de Arquitetura, tive uma série de limitações, mas pelo menos deu para trabalhar as coisas de um ponto de vista formal que ainda não tinha explorado.
O que é que as curtas lhe dão que não encontra numa longa?
"By Flávio", a que posso chamar uma curta mesmo minha, deu-me oportunidade para explorar coisas que numa longa se calhar não teria tanto espaço para arriscar, nomeadamente no que toca à representação visual dos ecrãs. Sempre foi uma das coisas que achei mais desafiante no cinema moderno, era como tornar o ecrã de um telemóvel cinematográfico, ou na realidade indo mais longe, como representar um mundo imaterial, um mundo gráfico e digital, juntamente com o mundo físico. Então nesta curta houve espaço precisamente para essa experimentação, tentar descobrir como é que podemos ter estes dois mundos juntos, o da pessoa e o do ecrã.
O que representa estar em Berlim com esta curta?
Representa que o filme vai estrear, e que todas as dores de cabeça de termos um filme feito e arranjar um sítio para alguém o ver desapareceram.