Atriz e realizadora com dupla nacionalidade, francesa e norte-americana, Audrey Dana é Gabrielle de la Veja na nova versão de “Zorro”, série que já pode ser vista nos canais TVCine e onde contracena com Jean Dujardin.
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Em Paris, onde nos recebeu, falou desta versão moderna da personagem e da continuação que está a preparar do filme de culto que lhe deu projeção como realizadora, “Sous les Jupes des Filles”. E Audrey Dana acabou por nos revelar muito sobre a sua própria vida.
Quando lhe propuseram este papel, muito diferente do que faz, por exemplo, como realizadora, o que pensou?
Fiquei muito surpreendida. Não estava nada à espera que a personagem feminina fosse tão interessante e complexa. Quando pensamos em Zorro, nunca é na personagem feminina. Talvez vagamente na Catherine Zeta-Jones, na versão do Antonio Banderas.
O que a interessou então nesta Gabrielle de la Vega?
É ela que toma as grandes decisões. Gostei também que a personagem masculina tivesse mais falhas. E que mostrasse o peso do patriarcado sobre aquele homem. O que é viver num mundo patriarcal quando se é homem, se tem alguma sensibilidade e se deseja fazer bem as coisas, ser justo. Foi isso que gostei na escrita dos autores, que se tenham servido dessa porta de entrada para explorar este mito e desconstruí-lo.
Esta versão de Zorro vai também contra a imagem de herói macho habitual no Jean Dujardin.
O Jean é alguém que sabe não se levar muito a sério. É muito agradável trabalhar com ele. E aqui é o Zorro, mas vinte anos mais tarde. Já está a envelhecer um pouco. O Jean quis também explorar coisas que não costumamos ver e que o espetador não está à espera. Isso é tudo muito à maneira do Jean.
De certa forma, as questões de género, da chamada guerra dos sexos, é o universo das suas longas-metragens como realizadora.
Eu não sou pela guerra, sou pela reconciliação. O que tento contar nos meus filmes é o equilíbrio dos géneros. Um homem, para se equilibrar, tem de encontrar o seu lado feminino e a mulher o masculino. Também não acredito no poder do matriarcado como resposta ao patriarcado. Acredito na reconciliação entre o homem e a mulher. É por isso que este projeto me interessou, pela forma como mexe no feminino e no masculino e como convida a reunir as forças. No fundo, sair desse jogo de guerra entre os sexos.
Este Zorro é um homem dos seus 50 anos, que está também à procura desse equilíbrio.
Na realidade, havia qualquer coisa de amoral no guião desta série, e que nos leva a todo este tipo de reflexões. Estão os dois em crise e afundam-se na mentira, para finalmente se reencontrarem. Toda a série é muito moderna, aborda temas muito contemporâneos.
Parece que vai fazer uma nova versão de “Sous les Jupes des Filles”…
Sim, agora vai ser “Sous les Jupes des Femmes”. O mundo mudou nestes últimos dez anos. Houve o #metoo. E eu também mudei, mesmo muito, enquanto mulher. Tenho vontade de explorar o feminino através dessa maturidade. Não é que tenha compreendido tudo, mas o olhar agora sobre a mulher é diferente. E como cineasta, também mudei. Tenho mais experiência, quero contar outras coisas.
Em que fase do projeto é que está?
Estou em plena construção do casting e das personagens. É assim que começo. Escrevo para as atrizes, com os fantasmas delas, e depois faço o filme. É a minha maneira de trabalhar. Já o tinha feito para o primeiro filme, estou a fazê-lo de novo para este. Vou filmar em setembro de 2026. Já tenho quase todas as atrizes, algumas já estavam no primeiro filme, outras novas. Vai haver mais diversidade, algumas atrizes muito conhecidas, outras menos. Vai haver humor, drama, como no primeiro filme.
Foi sua a ideia de fazer um segundo filme?
Ao longo dos anos pediram-me várias vezes para o fazer. O que me deu vontade de o fazer agora foi o primeiro filme ter saído na Netflix. Houve uma nova vaga de mulheres que me mandaram mensagens a dizer que o filme lhes tinha feito bem, que quando se sentiam mal o viam outra vez.
Também teve esse efeito terapêutico quando o fez, como autora?
Quando fiz o filme também não estava bem. Tinha-me separado de um homem muito violento. Quis fazer um filme que mostrasse como podemos ser fortes e dinâmicas, mesmo quando no íntimo temos vontade de chorar, face às provas que a vida nos apresenta.
Que outras mensagens quis dar com o primeiro filme?
Tive vontade de fazer o filme para dizer a essas mulheres que não estavam sós. O filme teve milhões de visionamentos na Netflix. Foi como se tivesse renascido, embora nunca tenha desaparecido. Havia pessoas que o continuavam a ver, mas agora está acessível a toda a gente. Tinha chegado a hora. Eu gosto do filme, mas mudei e quero contar outras coisas. Eu fui criada por um pai machista, e como rapaz. Na realidade, nunca me defini como mulher, como alguém que não tinha o direito, que não podia.
Enquanto atriz, sofreu alguns problemas por ser mulher?
Vivi muito isso, homem que me desejavam, que me diziam piadas. Nunca me encostaram à parede, nunca fui violada. Mas tudo isso acabou. Mas como disse nunca me defini como mulher. O meu pai dizia-me que o céu era o limite, que eu faria tudo o que desejasse. E era machista.
Era filha única?
Não, mas era a mais velha. Mas o meu pai obrigou-me a cortar o cabelo. Várias vezes. Para evitar o olhar dos rapazes. Criou-me como um rapaz. Há qualquer coisa sobre o género que é muito complexa para mim. Não percebi que era um problema, ser mulher. Não me tinha apercebido que eramos mais mal pagas. Eu não pensava enquanto mulher.
O que mudou então de tão radical em si?
Hoje sou profundamente feminista. Compreendi que era uma mulher, que há um trabalho insano a fazer para conseguirmos a equidade. Compreendi que era vital. A Terra dirigida por homens é uma catástrofe. Há qualquer coisa a reinventar e que se encontra lá, nesse equilíbrio entre o masculino e o feminino. É preciso fazer a paz com a vida. Temos de celebrar a vida. Precisamos de pessoas com abertura de espírito para reinventar o mundo. Precisamos disso para os nossos filhos.
Qual é o segredo para essa mudança?
Não se pode desesperar, senão damos a nossa força ao lado do mal. Eu não posso perder a esperança, senão eles ganharam. Estamos na luta entre a luz e a sombra. Há coisas maravilhosas que se passam ao cimo da Terra, pessoas que dedicam a sua vida aos outros, que têm ideias inovadoras, que plantam árvores. Mas isso não mostram na televisão. Não podemos dar a nossa força à obscuridade. É um ato de resistência ser feliz e ter esperança.