Realizador francês e atriz romena estiveram à conversa no festival de cinema Curtas Vila do Conde. Esta sexta e sábado há muito cinema português e ainda dois filmes-concerto.
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Nascemos atrizes ou tornamo-nos atrizes? Uma atriz é autora da sua carreira? O que define um cineasta? Qual é o realizador ideal? Onde começa o cinema e acaba o teatro? E para onde vai o cinema? O realizador Bertrand Mandico assumiu-se entrevistador, numa conversa “única e irrepetível” com a atriz Elina Löwensohn.
O momento inédito marcou o Curtas Vila do Conde 2024. A festa do cinema continua até domingo.
O desejo de ser atriz já nasceu com ela. Despertou em frente ao espelho, num monólogo de emoções reais, aos 17 anos, aquando da morte do pai.
Elina Löwensohn não se considera estrela, nem tão pouco dona da própria carreira. Nos mais de 30 anos de cinema, foi a irreverente Elina em “Homens simples” (Hal Hartley), a judia Diana de “A lista de Schindler” (Steven Spielberg), Nadja no filme homónimo de Michael Almereyda, Claire em “Sombre” (Philipe Grandrieux), Walerian Borowczyk em “Boro in the box”, Séverin em “The wild boys” e, recentemente, Rainer em “She is Connan” (três filmes de Bertrand Mandico).
“Não gosto da improvisação”
Mas, ainda que as suas personagens sejam criações do realizador e que, por ter sotaque, ser estrangeira ou ter uma determinada forma de ser, atraia uns cineastas e não outros, a verdade é que fez escolhas: já disse “não” a projetos que lhe pareceram maus, mas também - “porque é preciso sobreviver” - já aceitou papéis “em que não acreditava realmente”.
“Ter um realizador que me diz ‘sê tu própria’ é uma treta. Não sou a autora das minhas personagens. É a sua visão, a sua verdade. Não gosto de improvisação. Sinto-me desconfortável. Gosto do escrito”, explica, animada com a conversa descontraída.
Com Mandico vai longa a parceria, que já ultrapassa em muito o cinema. Ele é um francês irreverente, “fora da caixa”; e ela é a sempre livre Elina, a que em 1992 dança Sonic Youth na icónica cena de “Homens simples”.
“Bertrand é o ator da sua visão divergente e eu a autora das respostas ao seu cinema visionário. É um cinema que dá voz às atrizes e às pessoas livres e camaleónicas”, explica.
"O futuro é duro"
“E o futuro?” No cinema, admite, os tempos são duros. O dinheiro e a indústria falam, muitas vezes, mais alto do que a arte. Ainda assim, apesar da sua costela romena pessimista, acredita num “verdadeiro renascimento” e na força das novas vozes. Löwensohn, explica o diretor do Curtas, Mário Micaelo, era já uma das referências do trio de fundadores no arranque do festival em 1993 (um ano depois de “Homens simples”).
Em 2011, Mandico e o seu “Boro in the box” venceram o Grande Prémio do Curtas. Este ano, a dupla está em destaque no festival. Masterclasses, conversas, curtas e longas, duas Cartas Brancas. Hoje, sexta-feira, às 21.30 horas, “She is Connan” fecha o In Focus.
Portugueses em estreia
Ainda antes no Curtas, às 15 horas desta sexta, há duas sessões da competição nacional para ver.
Quatro filmes estão em destaque: “Percebes”, de Alexandra Ramires e Laura Gonçalves, que venceu, em junho, o Festival de Cinema de Animação de Annecy, em França; “As minhas sensações são tudo o que tenho para oferecer”, de Isadora Neves Marques; “O jardim em movimento”, de Inês Lima; e, por fim, “Mau por um momento”, de Daniel Soares, da seleção de Cannes - e esta sexta, os quatro filmes estreiam no Curtas.
Dois filmes-concerto
Filipe Melo e João Pereira vão criar a banda sonora alternativa para a curta-metragem clássica “La Jetée”, de Chris Marker, numa sessão narrada pela atriz Beatriz Batarda, esta sexta-feira à noite, às 23.30 horas.
No sábado, a música experimental de HHY & The Macumbas é acompanhada por imagens geradas através de Inteligência Artificial, pelo coletivo Lunar Ring - é o futuro no presente a fechar o Curtas 2024.