Banda de Damon Albarn entrou arrastada mas terminou em glória. Palco novo não convenceu. 140 mil foram ao festival. Primavera Sound volta de 7 a 9 de junho de 2024.
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Começou chocho, há que dizê-lo com frontalidade. Os primeiros temas dos Blur, que regressaram ao Primavera Sound Porto dez anos depois, soavam baços e vagarosos. Damon Albarn entrou tímido, óculos graduados, fato escuro, assumindo a condição de homem de 55 anos. Mas há uma viragem após a sequência de três hits - "End of a century", "Country house" e "Parklife" -, e, sobretudo, quando o cantor vestiu um fato de treino semelhante aos que usava nos clips dos anos 1990. Foi um choque de vitalidade. Albarn rejuvenesceu.
O público sentiu a mudança do figurino, e da entrega de Damon Albarn, e envolveu-se mais, esqueceu de vez o pivete que se formou no terreno do palco Porto, provável efeito da chuva e posterior secagem da relva. E foi possível admirar os exímios construtores de canções que são os Blur, banda que disputou o trono da britpop com os arquirrivais Oasis. Das baladas sentimentais, como "Tender", em que Albarn se liquefaz em crooner, às narrativas jovens e vibrantes de "Girls & boys".
O final foi em glória, cheio de pujança, a estrear "The ballad of Darren", novo disco que sai a 21 de julho, com o belíssimo single "The narcissist". Na despedida soou o tremendo "The universal". Não foi tão sideral como os Gorillaz, o outro projeto de Albarn, em 2022, mas figurará no quadro de honra do Primavera 10.
Novo palco problemático
O festival fechou anteontem a sua edição especial de dez anos com quatro dias e um cartaz aumentado para 76 artistas. Regressará em 2024 ao modelo de três dias: é de 7 a 9 de junho.
O que não parece ter conquistado medalhas é o novo palco principal, enxertado no recinto como corpo estranho. É descontínuo em relação ao resto da paisagem - um jardim de colinas e clareiras com relva fofa -, apresentando uma espécie de trincheira a quem vem de sul. É demasiado frio, urbano, geométrico - e é plano, o que é problemático: prejudica a visão a milhares de espectadores. Nunca como este ano se apreciaram as virtudes do palco-encosta Vodafone, a assembleia nobre das edições anteriores.
Inseridas na estratégia de crescimento do festival, as mudanças de palcos e o alargamento do recinto para mais cinco hectares embateram num problema: o clima invernal que dominou os primeiros três dias, oprimindo o povo habitualmente florido e jovial. Será a principal razão para os números não terem disparado: se em 2022, em formato de três dias, o festival acolheu cem mil pessoas (média: 33 mil/dia), este ano, aumentado para quatro dias e chamou 140 mil (35 mil/dia). Cresceu, mas o crescimento foi tímido.
New Order emudecidos
A última jornada de 2023 ficou ainda marcada pelos apagões de som do concerto dos New Order. Quebrou por duas vezes durante a emblemática "True faith" e deixou uma nódoa na estreia da banda no Porto. O espetáculo seguiu, contundido, com "Blue Monday", tema charneira na história da pop que celebrava ali 40 anos. Com aquele buraco negro, será difícil falar de um concerto memorável.
Antes, serviu-se a caldeirada Yves Tumor, figura esguia e sobredimensionada que mistura rock experimental, glam, noise e metal. Foi número extravagante, com queixas sobre o som e muito bacanal com o público: Yves foi várias vezes ao fosso dos fotógrafos tocar nos fãs, e ser tocado por eles, viciando-se nos abraços.
Ao tempo dos New Order, houve ainda um espetáculo a destacar: punk hardcore com os Off!, da Califórnia, EUA, no palco Plenitude - e foi um belo e rijo festim.