Quatro dias, 76 concertos, cinco palcos, mais de mil canções: o Primavera é um eletrocardiograma, mede o estado da nossa pulsação musical. Entre descobertas e confirmações, cada um viveu o seu festival. Todos saímos exaltados e a latejar.
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Por José Miguel Gaspar
Yves Tumor
Performance confrontacional bravia e fervente, ergueu um caos teatral mordaz e radiante de art-rock glam. Merecia o dobro de volume de som - como ele desesperadamente pedia.
Darkside
Dramática, inovadora, esta eletrónica futurista indefinível, visceral e cerebral, é o epítome do espetáculo ao vivo: ao recriar e improvisar sobre os discos, amplia a fruição aos sentidos. E dá para dançar. 10 em 10.
Wednesday, Unwound
O shoegaze pode ser solar: os Wednesday trouxeram indie rock adulto sensível e poético, pujante e explosivo, exultante. Noutra galáxia rock, a do post-harcore, o melhor show foi de Unwound: um vespeiro de guitarras e gritos guturais catártico, onde o ruído é um bálsamo purificador.
New Order
Som falha duas vezes, banda abandona palco arreliada, voz de Sumner, 67 anos, é débil e desentoa. Mas a vulnerabilidade foi unificadora e os hits ("Regret", "Blue monday", "Bizarre love triangle", "Love will tear us apart"...) eletrizam, comovem e não têm par.
Por Catarina Ferreira
Shabaka Hutchings
O saxofonista de The Comet is Coming enfeitiçou a multidão com o seu som esfuziante de funk, rock psicadélico e jazz, mesmo debaixo da tempestade.
Diego del Morao
Melhor guitarrista do festival, sem discussão. A complexidade das falsetas do jerezano no concerto com Israel Fernandez merecem ser estudadas. Alguém no público dizia que Paco de Lucía aplaudiria do céu.
Anderson Paak e Knxledge
O superduo NxWorries faz neo-soul e deu o concerto mais feliz dos 76 realizados. O público cantou e dançou o tempo todo, um espetáculo como o seu tema "Daydreaming".
Nick Rattingan
Baterista e vocalista de Surf Curse, a habilidade de brincar com o tempo musical e cantar em simultâneo, assim como a sua simpatia, eclipsaram todos os concertos do 2.0 dia.
Kathleen Hanna
Ex-Bikini Kill, voz de Le Tigre: concerto panfletário, denuncia violências sobre as mulheres e transforma-as em boa música.
Por Ricardo Jorge Fonseca
Pet Shop Boys
Levam a coroa do Primavera. Neil Tennant e Chris Lowe apresentaram-se intactos nas suas qualidades e deram uma aula magistral de pop eletrónica. Impecável de uma ponta à outra, foi rave transversal para todas as idades e feitios.
St. Vincent
Gloriosa em botas brancas e calções mínimos, a norte-americana é hoje uma das mais dotadas artistas rock. Sensual e sofisticada, ergue canções poderosas e imprevisíveis. Mesmo algum excesso de produção é perdoado com resultados tão grandiloquentes.
Yard Act
Atenção aos rapazes de Leeds. Têm só um álbum, "The overload", mas denotam consistência rara, no som e na presença ao vivo. É pop musculada, sarcástica e interventiva. Deram talvez o melhor concerto vespertino do festival.
The Murder Capital
Não inventam a roda, mas dão continuidade nobre à linhagem do pós-punk. São irlandeses, sombrios e intensos, celerados e introspetivos. Têm recursos suficientes para voltar a outros palcos do país.