
"Branca de Neve & outros dramalhetes": encenação de Nuno Carinhas debate-se com "os sentimentos e a dimensão mágica da existência"
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Últimas récitas de "Branca de Neve & outros dramalhetes": encenação de Nuno Carinhas está em palco no Teatro São João, no Porto, até domingo
O que faz Robert Walser (1878-1956) às personagens dos contos de fadas? Traz-lhes espessura, complexidade, ambivalência. Numa palavra, humaniza-as. Em "Branca de Neve & outros dramalhetes", tapeçaria de três peças cosida por Nuno Carinhas, assistimos à subversão de um "mostruário de normas", segundo o encenador. Ou ao que começa quando os contos dos irmãos Grimm (e de Charles Perrault) acabam, de acordo com Walter Benjamin.
No segmento mais longo, não o mais estimulante, a Gata Borralheira (Luísa Cruz) aceita o ciúme e a inveja das irmãs e hesita em entregar-se ao príncipe (Paulo Freixinho) porque teme deixar de ser uma "sonhadora". É o momento em que se debate, com apropriado lirismo, aquilo que Carinhas diz já não ser verbalizado nos dias de hoje: "Os sentimentos e a dimensão mágica da existência". É também o momento mais declamatório, em que parece haver um excesso de teatralismo.
É nas duas peças finais que o espetáculo encontra um maior acerto entre a "subversão" contida nos textos e a "disrupção" do teatro face ao teatro. A cenografia, de Pedro Tudela, pouco muda entre os vários segmentos - telas abstratas em fundo, uma rampa no chão que é espelhada no teto, uma cortina que evoca padrões de Gustav Klimt e uma escadaria, em torno da qual Branca de Neve (Lisa Reis) discorre sobre a relação entre o ódio e o amor e se mostra capaz de perdoar à rainha malvada pela sua tentativa de a assassinar.
A teatralidade atinge o zénite com a Bela Adormecida (Joana Carvalho), surgindo linhas absurdistas e de puro jogo de linguagem - que têm impacto em cena, trazendo dinâmica e criatividade: a personagem não ficou satisfeita por ser acordada, e Sara Carinhas, transmutando-se em várias figuras numa sequência de vídeo, apresenta razões: não tinha de limpar o pó, não tinha de aturar crianças. E o que é sonho e o que é estar acordado, pura reflexão teatral para o escritor suíço, é servida pelo melhor momento coral entre atores.
"Branca de Neve & outros dramalhetes"
Nuno Carinhas
Teatro Nacional de São João, Porto
Sexta-feira, 21 horas; sábado, 19 horas; domingo, 16 horas
