Quando o festival caminha para o fim, já há candidatos à Palma de Ouro vindos da Noruega, Finlândia e Japão. Wes Anderson dececiona.
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Apesar de ainda faltarem quatro dias para o encerramento da 74.ª edição do Festival de Cannes, durante os quais serão projetados filmes de Apichatpong Weerasethakul e Sean Baker, Bruno Dumont e Jacques Audiard, já se podem começar a fazer algumas contas em relação a favoritos ao palmarés final bem como referir uma mão-cheia de títulos que deixaram os jornalistas presentes em Cannes indiferentes ou mesmo irritados.
Quando o cansaço acumulado de mais de uma semana de noites mal dormidas e de correrias de uma sala para a outra ou de uma entrevista num local para outro distante na Croisette, sob temperaturas de cerca de 30 graus, sem esquecer os necessários testes à covid-19 de dois em dois dias para quem ainda não tem o certificado imunitário, ter de passar duas horas a ver um filme mau, à falta de melhor expressão, não é muito agradável.
É o que aconteceu, por exemplo, com "Bergman"s island", de Mia Hansen-Love, uma viagem pretensiosa, patética, de mau gosto e de completa ausência de ideias à ilha onde Ingmar Bergman viveu parte da vida e rodou alguns dos seus filmes. Pobre Bergman, que deve ter dado várias voltas no túmulo perante tamanha intrusão no seu universo.
Melhor não foi "The french dispatch", de Wes Anderson, cada vez mais um fabuloso decorador, grafista, encenador, o que se queira, mas cada vez menos alguém capaz de seduzir espectadores, de os encantar, de os identificar com as suas personagens, que passam pelo ecrã como meras peças decorativas. Um gigantesco desperdício de meios postos à disposição do que é seguramente um dos cineastas mais sobrevalorizados do momento.
Ainda do lado menos bom de Cannes 2021, e grande desilusão face ao seu trabalho anterior, "A febre de Petrov", do cineasta russo Kirill Serebrennikov, que se encontra em prisão domiciliária. A sessão oficial, que contou com uma cadeira vazia para o realizador, serviu para mais uma manifestação de apoio à sua libertação, e o festival organizou uma conferência de imprensa com a sua participação online, mas depois de "Leto" esperava-se melhor do realizador, que não tem mãos para a adaptação do romance de Alexei Salnikov, passada numa Rússia pós-soviética infetada com uma epidemia de gripe. Nitidamente, o caso de um cineasta que tentou dar um passo maior que a perna.
Uma serena observação
Felizmente, há o outro lado da moeda, os filmes que dão prazer ver e que poderão fazer parte do palmarés final. Se "Benedetta" de Paul Verhoeven e "Três andares", de Nanni Moretti são talvez demasiado clássicos ou expectáveis para Palma de Ouro, há três títulos que poderão atrair as atenções do júri presidido por Spike Lee.
É o caso de duas entradas nórdicas, "A pior pessoa do Mundo" do norueguês Joachim Trier, e "Compartimento n.º 6", do finlandês Juho Kuosmanen. Junta-se-lhes agora "Drive my car", o novo filme do já cineasta de culto japonês Ryusuke Hamaguchi, de que já vimos entre nós "Happy hour - Hora feliz" e "Asako I & II". Adaptando um conto de Haruki Murakami, o filme centra-se num encenador de teatro que se confronta com a morte da mulher, de que descobrira a infidelidade, vindo a encontrar-se alguns anos mais tarde com o seu amante, quando dirige uma adaptação para palco de "O tio Vânia", onde este é um dos atores. Contando com elegância, simplicidade e ritmo, ao longo das suas três horas perpassa pela tela uma serena observação da vida e das relações humanas. Hamaguchi é sem dúvida um dos grandes cineastas da atualidade.