Caribou deixaram a encosta a dançar no fecho do primeiro dia do NOS Primavera Sound. Hoje, sexta-feira, há taquicardia na relva: 20 bandas concentradas em 12 horas.
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02h00 - Caribou: Eu não consigo passar sem ti
Caribou deixaram a encosta a dançar no fecho do primeiro dia do NOS Primavera Sound. Hoje, sexta-feira, há taquicardia na relva: 20 bandas concentradas em 12 horas.
"Tu sabes que és aquela com quem sonho, tu és a única coisa em que penso" - e depois de Daniel Snaith cantar estas duas frases, repete mais de 50 vezes "eu não consigo passar sem ti", até nos deixar presos dentro de um imenso loop. Estão talvez 10 mil pessoas a dançar ou pelo menos a balançar os membros, e enchem a encosta do palco Super Bock de pequenos pontos negros que ficam a ondear e alternam como pistões de motores de carros na contraluz e na bruma.
Foi o pico da noite, "Can"t do without you", uma bela canção de amor, colorida e metronómica, que tem pequenos crescendos e nos fala das complicadas glórias universais do amor enquanto nos põe a dançar - uma canção que é considerada "aquela" dentro das 10 do "Our love" (nos concertos há sempre alguém algures de dentro da turba de público a gritar "toca aquela"), o disco que serviu quase todo o concerto de 1 hora e 20 dos Caribou.
O que vimos foi IDM - mas a matriz Caribou é também a folktrónica, as novas psicadélicas e o shoegaze e outras partes que se retorcem do rock para a eletrónica -, é música de dança inteligente e a aparição dos Caribou ao vivo, com Snaith em quarteto, todos vestidos de branco, clínicos entre os feixes, varreu-nos de luz a fechar o primeiro dia do NOS Primavera Sound.
Eram 2h30 quando a multidão começou a escorrer para a saída, já só éramos metade da multidão que veio ver Interpol.
01h00 - The Juan MacLean puseram o Primavera a dançar
Não foi das atuações com mais público. Muitos festivaleiros preferiram um petisco noturno devido ao cansaço do concerto de Interpol e os The Juan MacLean saíram prejudicados. Ainda assim, o plalco Super Bock transformou-se numa grande pista de dança, onde a eletrónica se misturou com a guitarra de MacLean (dos Six Finger Satellite) e a voz de Nancy Whang (LCD Soundsystem).
Destaque para a presença de muito público oriundo de Espanha. Sempre vibrantes, mesmo nos momentos de alguma introspeção musical que desviavam momentaneamente olhar do público, os aficionados do génerto não deixaram de apoiar. Foram recompensados com um final arrebatador de eletrónica próxima de house que obrigou os milhares de presentes a tirarem os pés do chão. Foi o aquecimento perfeito para Caribou.
00h00 - Interpol revisitam pós-punk
A banda americana deslizou em alguns momentos, mas acabou por protagonizar um concerto convincente sobretudo por apostar nas canções do primeiro álbum.
Os Interpol já não vestem aqueles fatinhos pintarolas de outrora mas são suficientemente espertos para privilegiar o material de "Turn on the Bright Lights". É o primeiro disco, saiu em 2002, e os fãs garantem que é melhor. "Eu quero as tuas partes silenciosas/ as partes que os pássaros gostam", cantou Paul Banks, voz grave, a abrir com "Say hello to the angels".
Ao longo de quase 100 minutos, a multidão que se erguia em leque pela colina dividiu-se na sentença: uns deixaram-se arrebatar pelas linhas de baixo que evidenciam a doutrina de Peter Hook e a sua dinâmica pós-punk; outros, mais cínicos, desconsideraram a façanha.
O concerto terá flutuado a meio termo. É verdade que Paul Banks desafinou aqui e ali - mas acertou o resto do tempo. "Rest my chemistry" (de "Our love to admire"), lançou labaredas na guitarra e "Stella was a diver and she was always down" semeou sorrisos no encore.
00h01 - FKA Twigs é uma misteriosa certeza
A expectativa para o concerto de FKA Twigs era muita e a britânica de 27 anos não defraudou aqueles que já estavam convertidos aos seus espetáculos. Quanto aos restantes, as opiniões dividem-se.
O ascendente meteórico continua, mas o estatuto de promessa já lá vai e a "performer" afirma-se cada vez mais como uma certeza. FKA Twigs tem, contudo, tanto de misteriosa como de sensual. Em palco, qual serpente deambulante, exibe uma curiosa dança sob o pano de fundo de um trio que varia entre percussão, eletrónica e guitarra.
O facto de só serem três (quatro, com ela) prejudicou-lhe o espetáculo, consideraram muitas críticas no final. Habituados a assistir a concertos virtuais com seis músicos e oito bailarinos, os fãs notaram a poupança no elenco. Há ainda a destacar a sonoridade transcendente da britânica, nem sempre fácil transparecer em contexto de festival.
Fora isso, Twigs deslumbrou em músicas como "Papi Pacify", "Pendulum" e "Two Weeks". Os fãs das primeiras filas fizeram-se ouvir e rejubilaram. A artista, que até se escondeu do público à chegada ao aeroporto, esta quinta-feira, agradeceu o apoio e soltou um "até breve", no final.
21h10 - Patti a sorrir no Primavera
Uma mulher dominou o primeiro dia: Patti Smith levantou a tenda sentada e encantou. Acabamos todos a dançar o "People have the power".
Chegou de casaco negro e colete, calças de ganga surradas, botas militares com a língua de fora, o cabelo longo e grisalho a escorrer como o de J Mascis (mas a sua cara parece a de Martin Landau, ou então é a linha da sua boca, porque se nota mais quando o sorriso lhe cai), e Patti chega-se à boca do palco, mete as mãos nos quadris, cospe como um homem e depois fica a olhar e a rir para nós. Foi aqui que Patti Smith, 68 anos, mãe do proto rock (e avó, atualizou-nos ela quando resolveu dizer que tem agora um neto, chama-se Frederick, e depois dedicou-lhe a balada "Beautiful boy") levantou a tenda Pitchfork que estava forrada de gente sentada e transbordava para fora, e pôs toda a gente dançar como num baile.
É uma coisa que sobressai logo: tem uma extraordinária voz, Patti, potente, cava e encorpada mas capaz dos agudos do tremolo, uma voz que às vezes parece de metal, um metal que tremeluz, como quando cantou "Because the night" e disse que a noite pertence aos amantes e por isso nos pertence a nós.
Fez de nós o que quis, a cantora (já nos tínhamos rendido a ela quando entrou de olhos cerrados a sorrir e disse que estava muito feliz por estar ali, que passeou, que viu o Porto, que ainda tinha areia nas botas, e tornamo-nos a render quando ela disse Pooorto mais de uma vez e de uma forma que parecia quase que ela é daqui), e participamos de bom grado naquele missal coletivo de doce expurgação de pecados. Não foi um concerto de "spoken word" como estava prometido, mas um set acústico em quinteto com clássicos da Americana e que acabou em cascata de palmas com todos os que ali estávamos a cantar o "People have the power" e ela a dizer "não se esqueçam, não se esqueçam, vocês têm o poder".
Foi um pequeno pedaço de história viva que vimos ali, tivemos todos essa consciência e por isso saímos agradecidos a sorrir, contentes por termos uivado com ela. Esta sexta-feira vamos vê-la outra vez, mas agora elétrica e armada com "Horses", o disco com que irrompeu por muitos de nós adentro há 40 anos (Michael Stipe, Mike Scott, a Courtney Love, tanta gente mudou de vida ou formou bandas logo depois de ouvir o disco, logo depois de ouvi-la a ganir o "Glória"). Preparemo-nos: ela vai fazer um comício para nos acordar.
21h00 - Contra tudo e todos, deMarco despertou o Primavera
O concerto de Mac deMarco pode ser resumido em 45 minutos de rebeldia, sofrimento, e muitos imprevistos. Perto do final, o próprio não sabia se o sintetizador aguentava a penúltima música, "Chamber of Reflection", pois enfrentava um problema elétrico: "Não sei se vai aguentar a música, mas vamos ver".
O início até foi organizado, com a relva repleta de público de pé, a dançar ou aos saltos, perante o enérgico rock de deMarco e sua banda."Salad days", "Blue Boy" e "Cooking Up Something Good" foram referências para os festivaleiros. Os intervalos das músicas eram apimentados com muito humor e diálogos constantes com a audiência. Pelo meio, no fim da terceira música, cantaram-se os parabéns a um membro do "staff" da banda.
Mas a revelação chegava no fim da nona. De calças verde tropa, Mac deMarco aproximou-se do microfone e o ecrã gigante mostrou o rosto dele repleto de suor enquanto anunciava estar a atuar doente: "Estou muito doente hoje e começo a sentir o efeito, mas vocês são fixes". Provavelmente febril, o canadiano de 29 anos teve sempre o apoio do público e lá chegou ao fim.
Sem baixar o astral, fez jus ao ascendente que tem tido nos últimos três anos. Ainda teve de substituir uma corda da guitarra, mas os elogios feitos antes ao público e à cidade do Porto garantiram-lhe o perdão. Isso e as vibrantes distorções que fizeram, daquele, um dos melhores concertos até agora. Foi difícil processar tudo o que se passou ali, mas todos constataram: O Primavera acordou.
19h25 - Mikal foi o primeiro a levantar o público (mas pouco)
Mikal Cronin, que tem apenas 29 anos e chegou com o olhos todos sorridentes (algures durante o dia já se ajoelhou porque as calças negras dele estão marcadas de terra), foi o primeiro artista do dia a levantar o público com os seus estilhaços controlados de pop psicadélica e americana rugosa.
Levantou uns quantos, os que ficam para lá da mesa de som, porque os de trás, a maioria, continuaram sentados até ao cimo da encosta a colorir a relva verde. A música de Mikal, que chega até nós de forma expedita e muito direta (as suas letras estão cheias de indicações e de dedos levantados, "Turn around" , "Turn it down", "Hold back", "Turn me on", "Stop"), parece situar-se entre o deserto e a praia da Califórnia e está continuamente a espreitar entre as duas paisagens.
O set da banda, um quinteto, foi ganhando progressivo corpo como a tarde - e animando o público da frente do palco Super Bock, maioritariamente vestido de negro como Mikal, e foi por aqui que se viu a primeira gente a balancear os joelhos e a abanar a cabeça e alguns dançaram mesmo como se aquele psicadelismo fosse o twist. Mikal, que toca a guitarra de uma forma muito puxada para cima, quase encaixada já no sovaco, fala pouco mas é animado e disse que este era um dia especial: "O nosso tour manager, o Vogel, faz hoje anos e por isso vamos cantar-lhe os parabéns".
E atacou uma versão ácida e curta da música dos parabéns enquanto Vogel entrou no palco meio embaraçado e empurrado pelo Mac Demarco que estava a ver o concerto de lado, já vestido com o seu macacão camuflado.
Antes do Mikal houve Pernadas e os ingleses Cinerama. David Gedge, o vocalista, já é cidadão honorífico da Invicta: "Olá Porto - disse ele a abrir o concerto, com o sol a bater de lado na encosta vindo do mar - esta é a terceira vez que tocamos aqui, é o único sítio em que tocamos em Portugal", e riu-se. Já tínhamos saudades de Gedge, que só cá tinha vindo nos Wedding Present, que também são dele. Antes dele Pernadas chegou e disse "Primavera Sound 2015, uah!".
O seu septeto pop psicadélico é uma surpresa e merece mais atenção, mas àquela hora o público ainda se espraiava, ensolarado, as raparigas já de tiaras de hortências e cravos na cabeça e havia pés nus na relva e preguiça e farrapos de neblina e mais de metade das pessoas via o concerto descansadamente sentada. Vem aí Patti, é já a seguir.
18h30 - Cinerama: O melhor está para acontecer
Com o sol a bater do lado direito enquanto fazia a sua rota para se deitar no oceano, a indie-pop dos Cinerama tentou seduzir um público maioritariamente refastelado na erva.
Canções como "Dance girl dance" ou "Quick before it melts" ainda se depararam deleitáveis mas o concerto permaneceu sempre numa toada mansa, vagamente repetitiva, sem grandes atributos capazes de o colocar na prateleira dos momentos imprescindíveis que se adivinham nesta edição.
David Gedge, estratega e vocalista do quarteto, até distribui simpatia e confessou agrado por tocar debaixo da luz do sol. Mas aqueles 40 minutos de concerto nunca dispararam para outros níveis, tudo permaneceu demasiado tépido e frouxo.
Nada disto é grave: grande parte do público ainda estava por entrar, aquele que já o tinha feito ainda estava a ambientar-se. Isto ainda é só o começo. O melhor está para acontecer.
17h45 - Bruno Pernadas pintou primeiro fim de tarde do Primavera Sound
O Nos Primavera Sound abriu com um aglomerado de sonoridades a cargo de Bruno Pernadas, à hora do chá.
Com o sol acima do Douro, a hora e o ambiente primaveril foram perfeitos para a mescla de jazz, folk e eletrónica do conjunto português. Confuso? O público gostou, a julgar pela reação de despedida em que muitos se levantaram da relva onde estavam deitados para aplaudir o lisboeta.
O concerto de Pernadas começou com "Ahhhhh". Uma exclamação simbólica das primeiras pernas a abanar, os óculos de sol, os primeiros copos de cerveja do Primavera Sound. Tímido ao início, o público demorou três músicas a vibrar. Foi preciso uma sublime "Premiere" para concentrar os olhares no palco. Afinal, o tema é uma das coqueluches do álbum "How Can We Be Joyful In A World Full Of Knowledge", um dos melhores do ano passado.
A "setlist" não fugiu do álbum, agora mais maturado e com liberdade para alguns arranjos da banda composta por oito elementos. Destaque para a voz angelical de Margarida Campelo (Julie & The Carjackers), bem como para o trio de sopros composto por João Capinha, Diogo Duque e Raimundo Semedo. Antes da despedida, o conjunto deixou os fãs a salivar por um novo álbum. O tema "Galaxy", já tocado noutros palcos mas ainda por editar em álbum, faz antever novidades provenientes do conjunto português.
16h00 - O primeiro a entrar no Primavera Sound
É oficialmente o primeiro espetador do Nos Primavera Sound deste ano. Chama-se Martim Norte, tem 16 anos, e veio de Lisboa num avião da RyanAir "por 20 euros ida e volta".
Passou agitado pelo controlo na entrada, mostrou a pulseirinha e desatou a correr que nem um desalmado pelo recinto fora, apressando-se colina abaixo até se deter junto à grade de um dos palcos.
Tudo isto para garantir o lugar mais próximo possível da britânica FKA Twigs. "Assim eu sinto que o concerto é só para mim, porque não vou ter cabeças de outras pessoas à minha frente", explicou, com a respiração sôfrega pelo sprint.
Martim Norte assume-se enfeitiçado pela autora de "LP1". "As músicas dela são muito sexuais", aponta. "Vamos pedir-lhe para vir a Lisboa cantar à nossa varanda", sugere um amigo.
18h00 - Estrangeiros a "rockar" com cheiro a manjerico
Os primeiros festivaleiros do Primavera Sound entraram no recinto de manjerico na mão, graças à iniciativa da Porto Lazer e da Câmara do Porto, que instalaram uma "barraquinha" de oferta daquelas plantas. A entrega alude às festas de São João, que já estão a decorrer e se prolongam até 4 de julho. "Oferecemos a muitos estrangeiros, a maioria espanhóis, e eles já sabem que se põe a mão para cheirar", evidencia um dos voluntários.
A oferta vai estar durante todo o festival e prevê a entrega "de 100 manjericos por dia", acrescenta outro. Hoje, os manjericos "voaram" na primeira hora e "só não foram mais rápido porque as pessoas não têm onde os guardar", justificam os voluntários. Os que os levam, andam no recinto do festival de sorriso nos lábios e manjerico na mão.