Célebre romance de James Joyce foi publicado pela primeira vez a 2 de fevereiro de 1922. Nova edição portuguesa da obra chega às livrarias no próximo dia 24.
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É pouco provável que, como defendem os mais fanáticos leitores de James Joyce, o Mundo se divida em duas categorias: os que leram "Ulisses" e os que nunca o leram. Todavia, poucos duvidam que o radicalismo formal da obra, a sua engenhosa conceção e a revolucionária técnica do fluxo de consciência mudaram a face da literatura.
Um século depois da sua publicação, o romance continua controverso, ainda que não necessariamente no plano dos costumes. Acusado de ser obsceno e até pornográfico, quando foi publicado a 2 de fevereiro de 1922 pela Shakespeare and Company, o livro viu a sua circulação fortemente restringida durante décadas a fio, levando o autor irlandês a queixar-se da discriminação de que era vítima.
Um "quebra-cabeças"
A primeira tradução em português de Portugal (no Brasil, o linguista António Houaiss já o havia feito em meados da década de 1960) só chegou em 1989, pela mão de João Palma-Ferreira, depois de autores como Jorge de Sena ou Mário-Henrique Leiria terem tentado e desistido da empreitada.
É essa tradução do final dos anos 1980 - existe uma outra, de 2013, feita por Jorge Vaz de Carvalho para a Relógio D"Água - pela qual a Livros do Brasil optou para a nova edição. À venda nas livrarias a partir do próximo dia 24, pode ser encomendada a partir do dia 10.
À exceção de uma nota introdutória de João Palma-Ferreira, a reedição dispensa os vários acrescentos que as novas edições de "Ulisses" têm conhecido, como guias de leitura ou estudos explicativos. São José Sousa, editora da Livros do Brasil, justifica a opção tomada com "a necessidade de evitar demasiada informação que poderia tornar o livro excessivamente pesado".
Com ou sem amparo analítico, "Ulisses" ainda é uma obra desafiante a todos os títulos, que apresenta aos leitores engulhos vários, da sua estrutura aparentemente caótica à narração, no mínimo, pouco convencional. Uma evidência de que o próprio Joyce tinha plena noção, ao confessar, numa célebre carta, que colocara no livro "tantos enigmas e quebra-cabeças que os professores de literatura vão estar ocupados durante séculos para tentar perceber o que eu quis dizer".
Atração turística
Os constantes jogos de palavras, neologismos e obscuras referências de toda a ordem pontuam a (in)ação do livro que, no essencial, se resume às deambulações que Leopold Bloom, um modesto angariador de publicidade, faz por Dublin. Essas escassas 18 horas em que o livro se desenrola são a descrição de uma vida comum de um homem em tudo oposto ao heroísmo de Ulisses, personagem inescapável do poema épico "Odisseia".
Tal como no original de Homero, também este Ulisses só quer regressar e reencontrar a sua esposa, Molly Bloom, representativa de Penélope (Stephen Dedalus, o terceiro eixo do romance, é por sua vez equiparado a Telémaco).
Se Joyce não falhou na previsão sobre as dificuldades de interpretação da sua obra maior, estaria, todavia, longe de imaginar o impacto extraliterário. Até no turismo. Nas últimas décadas, Dublin soube capitalizar as constantes referências "joyceanas" à cidade, atraindo largos milhares de turistas de todo o Mundo. O ponto alto é o "Bloomsday", a 16 de junho, o dia em que a história de "Ulisses" decorre.