“A Savana e a Montanha”, de Paulo Carneiro, passa na Quinzena de Cineastas.
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Ao quarto filme, depois de “Água para Tabatô”, “Bostofrio” e “Via Norte”, Paulo Carneiro chega à Quinzena de Cineastas, com “A Savana e a Montanha”. Produzido pela Bam Bam Cinema, uma das jovens companhias que tem vindo a agitar o cinema português com novos olhares, e conseguindo rapidamente chegar a este patamar de Cannes, o documentário assume um formato western, com os seus “heróis” a cavalgarem tratores em vez de cavalos, que no entanto também existem no filme.
“A Savana e a Montanha” relata a luta, que ainda continua, das gentes de Covas do Barroso, em Trás-os-Montes, contra os planos de uma empresa britânica que planeia construir uma das maiores minas de lítio a céu aberto da Europa junto às suas casas.
A competição pela Palma de Ouro continuou entretanto, com os novos filmes de Yorgos Lanthimos e Paul Schrader. Enquanto o primeiro, ainda a viver da glória de “As Pobres Criaturas”, desiludiu com o seu novo filme, “Kinds of Kindness”, Schared, sem deslumbrar, assina uma obra sólida com “Oh, Canada”.
Em “Kinds of Kindness”, Lanthimos faz uma espécie de mosaico de sua obra, num filme em episódios que começa muito bem, eleva as expetativas já de si enormes, pelo percurso anterior do seu autor, mas cedo se perde num relato repetitivo. Willem Dafoe e Emma Stone, com quem volta a trabalhar depois do filme anterior, e Jesse Piemons protagonizam as diversas histórias em que o filme, desnecessariamente com quase três horas, se divide.
Se Lanthimos se tivesse ficado pela primeira, teria assinado uma espantosa curta-metragem com essa história de um homem cuja vida é completamente guiada pelo diretor de uma estranha empresa, que lhe oferece prendas como o capacete de Ayrton Senna ou uma das raquetes partidas num court de ténis por John McEnroe. Mas quando não aceita repetir um acidente de automóvel que deverá ser fatal para o outro condutor, a sua vida, até aí perfeitamente determinada ao minuto, vai sofrer uma completa reviravolta. Parábola sobre a condição humana, filmada com um aproveitamento brilhante do espaço e com atores prodigiosos, é pena que o que se segue depois, ao longo de mais duas horas, se torne por vezes penoso.
Argumentista de algumas obras-primas de Martin Scorsese, como “Taxi Driver” e dono de uma obra de mestre enquanto realizador, Paul Schrader volta a trabalhar com Richard Gere, algumas décadas depois do filme de culto “American Gigolo”, a que se junta Uma Thurman, para nos oferececr “Oh, Canada”.
Gere interpreta o papel de um veterano autor de documentários, um dos sessenta mil jovens que desertou para o Canadá para fugir à guerra do Vietname, e se encontra hoje à beira da morte. Ao ser entrevistado para um programa televisivo, vamos percorrendo a sua história, que é também um pouco a História da América, sobretudo de uma classe dirigente, onde o dinheiro comenda, e a que o nosso protagonista também sempre tentou escapar. Sem ser uma das obras mais importantes da sua já extensa carreira,
“Oh, Canada” é claramente fruto de alguém que domina como ninguém a construção dramática e narrativa dos seus filmes, com Schrader a oferecer-nos uma obra sólida, para já na ainda escassa lista de títulos que poderão fazer parte do palmarés final de Cannes 2924. Mas ainda não cheira a Palma de Ouro.
Nas seções paralelas, alguns títulos merecem destaque. Sobretudo “Rendez-Vous avec Pol Pot”, onde o veterano documentarista cambojano Rithy Pahn volta a denunciar os horrores do regime dos Khmaers Rouges, agora em formato de ficção, com Irène Jacob no papel da jornalista Elizabrth Bcker, em cujo livro o filme se baseia. Ou ainda “La Belel de Gaza”, onde a realizadora Yolande Zauberman traça o retrato de uma mulher trans palestiniana, que encontra nas ruas de Telavive. Quer esta corajosa mulher quer Elizabeth Becker estiveram presentes em Cannes.
Destaque ainda para “The Sjaneless”, do búlgaro Konstantin Bojanov, mas com uma história passada na Índia, e rodada inteiramente no Nepal. Na realidade, este poderoso thriller humano, se assim o podemos classificar, acompanha a fuga de uma prostituta que tem de fugir de Nova Delhi depois de matar um polícia num bordel, chegando a uma outra cidade onde inicia uma relação amorosa com a sobrinha da casa onde começa a trabalhar, mas cuja primeira noite já fora prometida a alguém de uma casta superior.
Devido à sua componente política, mas também moral, o realizador búlgaro, com uma relação pessoal com a Índia, teve de filmar no Nepal e, em conversa com o JN, assumiu ter sérias reservas sobre a possibilidade do filme ter distribuição na Índia, apesar das suas imensas qualidades, a começar pela extraordinária protagonista, a artista Sebita Adhikari. Uma outra curiosidade: Bojanov apaixonou-se também pelo nosso país, tem casa perto da Lourinhã, onde deve passar algum tempo já a partir de junho, e mostrou-se conhecedor de alguns dos melhores restaurantes indianos e nepaleses de Lisboa!