Gustavo Ciríaco, coreógrafo e artista brasileiro, está a partir deste sábado na Praça do Centro Cultural de Belém, primeiro com a performance Vastidão seguida, dias depois, pela instalação Paisagem Boldo. Ambos são de entrada gratuita e, para a segunda, as bicicletas estão convidadas.
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Para repensar o espaço – e com ele, o mundo e também o papel das artes performativas. Gustavo Ciríaco, reputado coreógrafo e artista transdisciplinar brasileiro que navega entre a arte visual e a dança, vai estar a partir deste sábado na Praça do CCB - Centro Cultural de Belém em Lisboa, primeiro com a performance Vastidão, seguida, dias depois, pela instalação Paisagem Boldo. Ambas são de entrada gratuita.
Em Vastidão, Ciríaco inspira-se numa experiência de Espaço, vivida pela coreógrafa curitibana Michelle Moura, para traduzir para o espaço público a poética espacial da coreógrafa.
Quinze bailarinos criam uma interação dinâmica entre aproximações e distâncias, adições e subtrações, controle e fluxo. A performance utiliza o espaço de convivência, entre performers e público, como “um campo de ação interativa”, procurando misturar empatia, atenção, sensação e lucidez. Na empatia e na fruição sensorial das festas, o coreógrafo procura a matéria de convite para esta “visita acompanhada”.
Acontece este sábado e domingo, 22 e 23 de junho, pelas 19.30 horas como parte da coleção Cobertos pelo Céu, na Praça do CCB, com entrada livre.
As bicicletas e o nascimento da "promenade"
Já Paisagem Boldo é fruto da colaboração entre Ciríaco e o arquiteto português João Gonçalo Lopes. Pretende resgatar a “experiência cinética e a poética espacial” do conhecido coreógrafo carioca João Saldanha, inspirada na arquitetura modernista dos anos 60 no Rio de Janeiro. Elementos como cobogós, rampas, curvas dos jardins e texturas estruturais são reimaginados num circuito de bicicletas ao ar livre, oferecendo uma instalação única.
A inauguração é no dia 29 de junho, pelas 18 horas , também na praça do Museu de Arte Contemporânea (MAC)/CCB, e por lá fica até 14 de julho, sempre com entrada gratuita, disponível para o público (e respetivas bicicletas).
Ao JN, o coreógrafo brasileiro resumiu o conceito e conteúdo de ambas as iniciativas, que se unem sob um mesmo projeto, por ele desenhado: “Cobertos pelo Céu”.
Começando por Vastidão e por Cobertos pelo Céu, onde a primeira se enraíza. Como surgiu o projeto mais vasto, com que objetivo?
O projeto Cobertos pelo Céu surgiu com o desejo de repensar o museu e a sua missão de ser arquivo do mundo. Pensei na dificuldade de dar conta do caráter efémero das artes sobretudo as performativas na sua presença no museu. Embarquei no desafio então de colecionar experiências marcantes de paisagem que tenham inspirado e/ou moldado a poética espacial de um conjunto seleto de artistas.
E como se enquadra nele o Vastidão?
O Vastidão integra essa coleção de instalações e performances a partir do mergulho na experiência de paisagem da coreógrafa curitibana. Como as demais peças, o ponto de partida foram experiências de espaço que marcaram a biografia da artista convidada e que influenciaram a sua estética espacial. No caso da Michelle [Moura], a experiência imersiva das festas raves, as quais ressignificaram para a criadora a vastidão do espaço público, tornando-o mais possível através da partilha afetiva, a empatia gerada pelo encontro da música com os demais corpos.
Trata-se de uma dinâmica imersiva, apela à empatia, sensação, lucidez…de que maneira?
Sim. Justamente, a lucidez e o afeto que um encontro pode despertar, sobretudo em um momento de festa. Na peça, usamos um recurso simples na construção coreográfica que é o uso das diagonais do espaço para chegar e partir. As diagonais são um modo comum de se cruzar o espaço, mas ao mesmo tempo, em zigue-zague, torna-se também um modo de retardar a chegada e evidenciar quem vem vindo lá ao nosso encontro. Empatia é uma questão de tempo e de espaço de como uma presença é recebida e depois guardada. E o olho, a porta de entrada de um Olá.
Em Paisagem Boldo, qual foi o conceito?
Paisagem Boldo é uma instalação de arte pública, onde os visitantes são convidados a fruir com bicicletas um circuito feito com estruturas de madeira inspiradas na arquitetura modernista brasileira. A instalação revisita a experiência cinética do coreógrafo carioca João Saldanha nos seus passeios de bicicleta pela zona sul do Rio de Janeiro, uma zona muito influenciada na época pela construção modernista de Brasília.
Como liga exatamente com a experiência de João Saldanha?
Nessa altura, seguindo a onda modernista despertada pela inauguração de Brasília em 1960, era muito comum os edifícios residenciais adotarem rampas, colunas, jardins sinuosos, cobogós (estrutura que permite filtrar a luz do dia) nas suas entradas. Ao contrário da imensidão da geografia de Brasília, o Rio de Janeiro é espremido entre montanhas e mar. Rampas acabam abruptamente na calçada estreita, e os outros elementos da arquitetura compartilham um espaço apertado. Essas entradas foram um verdadeiro parque de diversões para o João, e uma grande influência na sua educação em dança. Este momento é anterior ao gradeamento das mesmas no anos 80 por conta da violência crescente. Com a sua bicicleta, Saldanga tinha de estimar distâncias e conseguir virar a tempo de não trombar com um carro, árvore, peão. Dessa experiência nasce um traço marcante de sua poética que é o passeio (promenade) e as mudanças repentinas de direção.
Aqui, utiliza-se a arquitetura, o espaço, os peões, as bicicletas… na prática como se desenrola?
A instalação estará localizada na praça à frente do Museu de Arte Contemporânea. É um circuito com rampas, túneis e curvas a ser explorado individualmente com as bicicletas que disponibilizamos ao público, seguindo regras de convivência informadas no início. Cada pessoa, entretanto, é convidada a fruir da instalação da sua maneira e eleição. O circuito é montado para que as pessoas tenham sempre de estimar as distâncias para conseguirem seguir no seu passeio.
É um circuito-instalação? Tem também vertente de performance ou a mensagem está no circuito?
É uma instalação. Não uma performance envolvida. Será o próprio público a ativá-la. Eu não diria que há uma mensagem. Há um campo de descoberta, espero assim como a zona sul carioca o foi para o João. Aconselha-se a ouvir música no seu percurso.
Está aberto a maiores de 7 anos, para despertar os mais novos para estas questões da fruição do espaço, de uma melhor integração da arquitetura urbana com mobilidade, ambiente?
Sim, as crianças têm, como o João o tinha na sua infância, a curiosidade de experimentar os relevos, as geografias, os modos de se deslocar; realçado pela liberdade que a bicicleta dá com a celeridade e o atravessamento de um espaço.