Exposição que reúne trabalhos de mais de sete dezenas de utentes do Hospital de Magalhães Lemos, no Porto, abre hoje ao público na Galeria Geraldes Silva.
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O título diz (quase) tudo: "Insubmissos". Porque é da recusa do papel passivo e obediente que é feita a mostra patente a partir de hoje na Galeria Geraldes Silva, composta por trabalhos de mais de 70 utentes do Serviço de Reabilitação Psicossocial do Hospital de Magalhães Lemos, no Porto.
São artistas improváveis, mas nem por isso menos talentosos e criativos, como se apercebe quem percorrer os três pisos da exposição. Dos rostos impregnados de expressões fortemente humanas, presentes nas múltiplas formas escultóricas, ao labirinto de cores e formas que brota das abundantes telas, há todo um itinerário artístico por descobrir numa mostra cujos primórdios remontam ao início de 2020. Tudo nasceu da vontade de um casal, Cláudia Reis e Sérgio Rodrigues, que, embora sem ligações diretas ao meio artístico, quis demonstrar que "a sociedade civil tem uma palavra a dizer no combate ao estigma da doença mental, promovendo a inclusão".
Analista financeiro de profissão, Sérgio Rodrigues dedicou boa parte dos seus tempos livres nesse período a contactar possíveis parceiros para uma iniciativa que, desde a sua génese, procurou provar que as pessoas são mais do que um diagnóstico clínico. "Nunca é demais dizer que esta é, antes de mais, uma exposição feita por pessoas e não por pessoas com experiência de doença mental", reforça.
museu para arte bruta
No par de anos necessário para colocar de pé o projeto, o conceito foi-se ajustando à realidade, moldando-se como o barro e a cerâmica que muitos dos utentes do serviço dominam com mestria. O local e os hipotéticos apoios foram sofrendo alterações, mas o entusiasmo dos participantes manteve-se intacto.
Com a responsabilidade de trabalhar nos ateliês ao lado dos participantes da mostra, o enfermeiro João Silva detetou desde a primeira hora uma vontade coletiva de participação. Com o intuito de valorização da autoestima por parte de quem "quer ser visto, por uma vez que seja, como artista e não como doente". Mas também como "um libelo de insubmissão, não contra a sociedade, mas contra a discriminação, a desigualdade de oportunidades e os mitos que os associam apenas a um lado violento, agressivo e antissocial".
Nesta caminhada feita de vários triunfos, há um por cumprir, talvez o maior de todos: a criação de um espaço permanente no Hospital de Magalhães Lemos para exposição dos trabalhos dos seus utentes, no que seria também o primeiro local expositivo no Porto dedicado à arte bruta.