Ensaios e artigos de Charles Bukowski foram reunidos no livro “Matemáticas da escrita”, agora publicado pela Alfaguara.
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Não será seguramente o nome de Charles Bukowski que nos ocorre quando pensamos num autor capaz de subordinar tudo o que o rodeava à tarefa da escrita. E, todavia, o escritor boémio de que o ‘establishment’ se serviria sem pudor já na fase final da sua vida foi, antes de mais e depois de tudo, um incansável devoto da escrita. Mesmo que, como o próprio confessava, nada devesse à disciplina.
“Explorar as ligações entre a vida quotidiana e a transformação da experiência em poesia” foi um autêntico “tour de force” de Bukowski, que incorporou na sua vastíssima produção literária toda a espécie de elementos que a generalidade dos autores, por decoro ou dissimulação, se coíbe de convocar para a sua escrita.
Essa entrega improvável à causa literária surge por demais evidente em “Matemáticas da escrita”, uma recolha variada e naturalmente desigual de artigos escritos para a imprensa (contos e crónicas, sobretudo), mas também prefácios ou entrevistas. De um conjunto tão díspar de elementos esperar-se-iam explorações ou abordagens também ela distintas. Mas, como bem sabe quem já contactou com a obra do autor de “Correios” e “A sul de nenhum norte”, a variedade não é, nem de longe nem de perto, o elemento fundamental do seu universo literário, claramente mais fadado para a exploração do seu quotidiano, composto, além da escrita, pela tríade mulheres-álcool-jogo (ler corridas de cavalos).
A generalidade destes escritos situa-se em meados da década de 1970, quando a figura extravagante de Bukowski começou a irromper na cena literária de Los Angeles e se tornou uma figura de culto pela veia desbragada que nunca se esforçou por esconder. A ‘persona’ começou a sobrepor-se ao poeta e ganhou expressão máxima nas leituras que fazia para ganhar a vida, até porque, como afirmou numa entrevista incluída neste volume, “estou sempre à venda. Vendo o meu coiro literário a quem der mais”.
Histrionismos (mais ou menos) forçados à parte, há nesta recolha material que testemunha a grandeza literária episódica de um autor cuja verdadeira essência sempre foi a poesia. Uma evidência que aparece expressa nestes textos em prosa nos quais aborda com invulgar verve a necessidade de a poesia escapar do artificialismo e abraçar com vigor a vida.
"Matemáticas da escrita"
Charles Bukowski
Alfaguara