Artista-ativista chinês que desde há um ano mora em Portugal está no Porto para inaugurar a sua nova exposição "Entrelaçar".
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Antes de chegarmos ao assombroso pequi vinagreiro de Ai Weiwei - a árvore autóctone da mata amazónica é uma árvore-fantasma monumental, foi moldada a partir de uma árvore real com 1200 anos que ele fundiu e replicou em ferro e que se ergue, muito ereta e ameaçante, do chão para o céu de Serralves, com 32 metros de altura - vamos ver o artista nu. Por duas vezes.
Na primeira ele está todo branco, fundido na cor do colchão, deitado com uma modelo ao lado, ela também está nua, e sonha com sementes sanguíneas de olho-de-cabra, que lhe saem da cabeça e se esparramam em círculo no chão. A escultura, "Duas figuras" (2018), replica o artista em escala real e ocupa uma sala inteira do Museu de Arte Contemporânea de Serralves, no Porto, integrada na nova exposição "Ai Weiwei - Entrelaçar", que hoje abre ao público.
Na segunda ele está pendurado numa parede, a fotografia é caleidoscópica, colossal, e ele deita-se novamente, mais uma vez nu, mas agora concupiscente e deleitoso e cheio de um desejo que parece imoderado. A fotografia, também de 2018 e igualmente produzida no Brasil, é "Mutuofagia", e espanta-nos porque Weiwei espaceja-se, alagado e áureo, sobre frutas tropicais, ananases, mangas, bananas, açaís, cajás, cajus e melancias verdes e muito rubras que parecem ter sido explodidas ali. A foto, onde figura ainda o seu filho Ai Lao, 11 anos, muito irreal, capta um ritual antropofágico em que o artista chinês devora os frutos ao mesmo tempo que ele próprio parece ser servido como alimento.
Ai Weiwei, 64 anos, que em 2020 escolheu, devido ao sol, Montemor-o-Novo para morar, é um artista com um tipo muito novo de visibilidade. Desde logo pela sua presença frenética online, mas também porque transcendeu as suas obras de arte para se transfazer num ativista que simboliza uma afirmação férrea de liberdade e de indagação perenal. O que pretende? Lembrar-nos que correr riscos é a forma essencial de exercício - tanto nas sociedades livres como no estado autocrata que deixou a oriente para trás.
O astro da sua exposição, que contém ainda sete raízes postas à solta nos gramados de Serralves; são de ferro, parecem aracnídeos prontos a saltar, simbolizam o ambiente que estamos a matar - é o megascópico pequi vinagreiro de 32 metros. É um farol metaforista, é uma árvore eterna, podemos entrar dentro dela, é, como disse Weiwei ao JN, "um novo templo, uma igreja moderna, é uma árvore para nos pôr a pensar".
Vídeoarte
Dezassete filmes que espelham as suas preocupações globais
São denúncias, documentários, cinema disfarçado de vídeoarte ou são formas ferrenhas de reparação social? São tudo isso e ainda um prolongamento potente de si mesmo. Ai Weiwei trouxe nesta exposição ao Porto 17 filmes que cortou em quatro núcleos temáticos. Espelham as suas preocupações globais: censura, atropelos humanos, repressão, refugiados, clima e crise, pandemia e tudo aquilo, como o ferrão do escorpião, que é difícil de engolir.