Em 2022, o Ministério tem mais 221 milhões do que em 2016, mas o valor continua longe do prometido 1%. Em sete orçamentos sucessivos do PS, cerca de metade da verba para o setor foi sendo sempre absorvida pela RTP.
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A cultura não são números, mas sem números não há cultura. Em 2022, o Ministério da Cultura terá mais 221 milhões de euros do que em 2016, mas o valor continua muito longe do prometido e reclamado 1%. A dotação para a cultura valerá, no próximo ano, apenas 0,25 do Orçamento do Estado (OE22).
O JN analisou o investimento na Cultura ao longo dos últimos sete anos de governação sucessiva do PS - atravessados por três ministros da Cultura - e verificou que o Executivo liderado por António Costa promete, anuncia e gasta, mas não cumpre.
Entre 2016 e 2022, o valor total investido no setor foi sendo quase sempre aumentado, mas em todos esses anos cerca de metade da verba foi invariavelmente absorvida pela RTP.
Nesse sentido, 2019 é paradigmático: no último ano antes da pandemia, a cultura perdeu 49 milhões de euros e a RTP levou mais 70 milhões de euros. Recorde-se que 2019 foi também o ano em que o primeiro-ministro prometera "o maior orçamento de sempre para a cultura, reforçando o apoio à criação e à recuperação do património", tendo até chegado a elevar a fasquia da ambição para os 2%. "Temos que ter como meta chegar aos 2% do (OE) ao longo da próxima legislatura, de forma a darmos sustentabilidade ao financiamento da Cultura. A criatividade é básica para termos uma sociedade assente, efetivamente, na inovação", defendeu. Nesse ano, o bolo total até ultrapassou os 500 milhões de euros, mas 52,9% foram parar à estação pública de televisão.
De resto, Manuel Maria Carrilho, ex-ministro da Cultura de António Guterres, apressou-se, nessa altura, a desmentir Costa: "É inaceitável que o orçamento da Cultura deste país seja inferior ao orçamento que tive no último ano em que fui ministro. É inferior em cerca de dez milhões de euros", precisou.
Mesmo quando o Governo socialista tomou posse, em 2015, o primeiro orçamento da geringonça para a cultura conseguiu ser inferior ao último orçamento do Governo de coligação PSD/CDS, que estava ainda no rescaldo período da troika. Subtraída a fatia da RTP, a cultura teve, em 2015, com a Direita, 219 milhões. No ano seguinte, com a Esquerda, perdeu 44 milhões de euros.
ORÇAMENTO MAIS BAIXO
O orçamento da cultura mais baixo de sempre foi o de Jorge Barreto Xavier, como o próprio reconheceu. "0,1 % é o orçamento mais baixo de sempre em termos relativos. Apesar de não estar satisfeito com isso, era muito difícil, para mim, no momento em que há uma redução de despesa e uma redução de custos em todas as áreas do Estado, defender que na minha área não existissem cortes".
O Governo inscreveu no 644 milhões de euros para a Cultura em 2022, mas retirada a fatia da RTP sobram para as artes apenas 390 milhões de euros. Daí que o setor se tenha apressado a dizer que as verbas são "insuficientes". "Valemos 0,25%, ou seja, um zero à esquerda" é uma das frases de protesto mais ouvidas nos últimos dias.
A audição da ministra da Cultura, Graça Fonseca, no âmbito do processo de aprovação do OE, está agendada para dia 3 de novembro.
Ministros da Cultura
Graça Fonseca - PS (2018-...)
Está longe de ser a ministra mais popular da Cultura, mas ficará para a história como aquela em cujo mandato foi aprovada a criação do Estatuto dos Profissionais da área da Cultura (O E2022) e em que houve uma redução do IVA dos bilhetes de espetáculo de 13% para 6% (OE 2019).
Filipe Castro Mendes - PS (2016-2018)
Da governação do poeta e embaixador não sobra um legado relevante. Ainda assim, teve um mandato pacífico, em que se destaca a inauguração da museografia do Museu dos Coches e o início da gratuitidade dos museus nos primeiros domingos de cada mês.
João Soares - PS (2015-2016)
Não aqueceu o lugar. Quatro meses depois de assumir o cargo, ofereceu, no Facebook, "duas bofetadas salutares" aos colunistas Augusto M. Seabra e Vasco Pulido Valente (1941-2020). O episódio fê-lo pedir a demissão.
Teresa Morais - PSD (2015)
O Governo recuperou o Ministério da Cultura mas juntou-o com a Igualdade e Cidadania. Não chegou a tomar qualquer decisão.
Jorge Barreto Xavier - PSD (2012-2015)
Desempenhou o cargo numa secretaria e no período mais difícil, no pós-troika. Nunca teve margem para exigir. Tentou, em vão, simplificar o apoio às artes.