Uma MEO Arena apinhada recebeu de braços abertos a banda britânica, sete anos depois. Durante mais de duas horas abarcaram-se décadas, êxitos, memórias e emoções de um grupo que continua essencial.
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Foram sete anos, os que separaram esta passagem dos Depeche Mode por Portugal da última. Sete anos – às vezes tempo rotineiro, que passa num piscar de olhos, desta feita tempo que abarcou uma pandemia, um mundo a mudar vorazmente, guerras, uma perda inesperada e inestimável na banda e um novo disco onde estão estas e tantas outras realidades. Esta terça-feira, em Lisboa, uma MEO Arena à pinha, sem lugares vazios ou clareiras na plateia, recebeu os Depeche Mode de braços abertos, e recebeu em troca energia, vigor, memórias e canções sobre a vida e a morte.
De diversas faixas etárias e nacionalidades se compôs o mar de gente que aguardava os Depeche Mode quando, à hora certa, se desvendou em palco o gigante “M” da “Memento mori tour”, que os trouxe de volta a Portugal. Recebidos com estrondoso ruído, Martin Gore e Dave Gahan, acompanhados pelo teclista Peter Gordeno e o baterista Christian Eigner, logo pareciam prontos para a farra, um enérgico Gahan agachando-se imediatamente, em cumprimento ao público, na beirinha do palco. “My cosmos is mine” e “Wagging tongue”, do novo disco, estrearam a noite, mas foi quando entrou o primeiro clássico, “Walking in my shoes”, que a sala ganhou um impulso que praticamente já não viria a perder.
Logo ali o percebemos, Martin Gore e Dave Gahan vieram em forma, e com tudo. “Memento mori”, nome do disco de 2023, expressão latina que significa “lembra-te que és mortal” - e que por incrível que pareça já estava decidido, tal como o conceito, antes da morte do teclista Andy Fletcher em 2022 - foca-se na dicotomia morte/vida, aprofundada tanto do lado do sofrimento como da libertação, mas, aqui, o que se sente é sobretudo um desejo de ambos pela vida.
Gahan é uma garça a mexer-se: é ginga, gangster e bailarino, é mestre de cerimónias e sex symbol a fazer simulações provocantes, é um monstro de palco sem idade. Gore é júbilo, entrega e constante luz, como se fizesse isto há 40 dias, não 40 anos. “Está aí alguém?” perguntava o vocalista antes de uma sucessão de êxitos: “It's no good”, “Policy of truth”, “In your room” e “Everything counts”, com coros prolongados pelo público.
Depois de “Precious”, “Before we drown” leva-nos de volta a “Memento mori”, e segue-se “Strangelove” por Martin Gore em acústico, sozinho com piano, tal como “Somebody”, no mesmo registo. O resultado são dois momentos muito bem acolhidos, com Dave Gahan, no regresso a palco, a elogiar a “bonita e angelical voz” de Gore. “Ghosts again”, single de “Memento mori” é amplamente celebrado, como tantos outros seguintes, de “I feel you”, do disco “Songs of faith and devotion”, a “Behind the wheel”.
Só aqui, quando passa nos ecrãs o vídeo original de 1987, parece que nos lembramos de como foi há tanto tempo, de como eles eram novos – de comos nós éramos novos. Andy Fletcher surge no vídeo original e, no final, Gahan pede um aplauso para o teclista, a que o público acede com prontidão, antes entrar “Black celebration”, perfeitamente enquadrada. Fletcher é como uma presença constante em palco, algo meio inexplicável, e mesmo a relação entre Gore e Gahan aparenta ser mais cúmplice do que nunca. Como parece mais cúmplice a relação do vocalista com o público – mais comunicativo do que nas últimas passagens, sem grandes discursos mas com diversas declarações, numa constante procura de interação.
Também é incrível como, ao vivo, se confirma como os Depeche Mode continuam relevantes, as suas músicas não só poderosas ao fim destes anos todos, como envolventes, insinuadoras, até progressistas. A sequência final assim o comprova: “Stripped” e “Enjoy the silence” levam-nos para encore e é um encore à antiga, daqueles mesmo ruidosos em que o público não pára de gritar, enquanto o palco não volta a ter gente.
Com a banda de regresso, vive-se a esperada festa épica de “Just can't get enough – prolongado com coros eternos numa versão de público marioneta e Gahan mestre bonequeiro - seguido por “Never let me down” e “Personal Jesus”.
Mas, antes, logo no início do encore, Dave e Martin surgem à boca do palco numa versão acústica de “Waiting for the night”, tema do disco “Violator” e que se torna num dos instantes mais bonitos e tocantes da noite. No final, o momento é saldado com um replicar espontâneo e em loop do coro por parte do público, e com um abraço entre os dois músicos. Onde eram três, agora há dois, e eles parecem estar em paz– a perda faz também parte da vida, é “memento mori”, o "lembra-te que és mortal”. E às vezes, como entoaram, “there is a star in the sky; guiding my way with its light”. Da vida e da morte, de fé, devoção, perda e superação, cantou-se em Lisboa.