Criador de BD Marcelo D"Salete descreve o sonho com a alforria no Brasil de meados do século XIX. O seu novo romance gráfico chama-se "Mukanda Tiodora".
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Apesar de pequeno, na prática à dimensão de uma população sem hábitos de leitura, o mercado nacional de BD apresenta-se mais diversificado do que seria expectável. Ao leitor interessado, basta pesquisar um pouco para ser surpreendido.
Um dos exemplos é a coleção "Romance gráfico brasileiro", da editora Polvo, que, com mais de três dezenas de volumes já publicados, tem dado a conhecer alguma da enorme variedade, gráfica e temática, da produção de "histórias em quadrinhos" proveniente do outro lado do Atlântico.
"Mukanda Tiodora", de Marcelo D"Salete, é o tomo mais recente, cujo título pode ser traduzido como "Carta de Tiodora".
Ficção em torno de acontecimentos reais, leva o leitor a meados do século XIX, a um país em que brancos e negros e, entre estes, escravos ou libertos, conviviam, raramente de forma pacífica, num país em crescimento acelerado graças à riqueza proporcionada pela indústria do café.
A Tiodora do título e uma das protagonistas deste romance desenhado, era escrava de um cónego e sonhava com a alforria. Analfabeta, solicitava a quem sabia que escrevesse cartas ao marido e ao filho de quem tinha perdido o rasto, pedindo auxílio para a sua libertação.
A narrativa de D"Salete acompanha o percurso de uma dessas cartas, levada por um adolescente solícito, mostrando os perigos da viagem, os contrastes entre as realidades urbana e campestre e descobre aos poucos um drama de contornos impensáveis no início, que deixa um sabor amargo quando a leitura termina.
Entre o retrato social histórico, a tragédia que viveram tantos negros, escravos ou não, num país recém-saído da colonização, ainda dominado por brancos, "Mukanda Tiodora" é traçado num branco e negro expressivo e muito legível.
O livro vive da contínua alteração do ponto de vista, com o leitor a ter a sensação de que as cenas se desenrolam alternadamente entre o olhar do narrador, das personagens e de si próprio. Este dispositivo reforça o impacto da quase total ausência de texto escrito, que serve apenas para situar e contextualizar os diferentes momentos.