Dr. Feelgood são cabeças de cartaz do festival do Porto, que começa esta sexta-feira. . JN falou com Kevin Morris, baterista do mítico grupo inglês. Há ainda Budda Guedes, Janice Harrington ou The Smokestackers.
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Num tempo dominado pelo barroquismo e altissonância do rock sinfónico e progressivo, os Dr. Feelgood (gíria inglesa para "pedrada de heroína") encabeçaram um movimento de regresso à pureza e simplicidade do rock, atuando em pequenas salas e pubs (o subgénero que ajudaram a criar é conhecido como pub rock), e abriram caminho à crueza hiperbólica do punk.
Estão de regresso a Portugal para uma atuação no Porto Blues Fest, certame que decorre entre hoje e amanhã nos jardins do Palácio de Cristal e que faz reverter parte do valor de bilheteira para a reflorestação de um hectare do território.
Mais do que uma banda, os Dr. Feelgood são uma instituição que sobreviveu aos seus fundadores: da formação original, liderada a partir de 1971 por Lee Brilleaux (1952-1994), não sobrou ninguém - todos os atuais integrantes são de segunda ou terceira geração, como é o caso do baterista Kevin Morris, associado ao grupo desde 1983: "Já tinha tocado com eles antes nalguns concertos, ainda estava na escola. Eu era um grande fã da banda". Além de anteciparem o punk (é mesmo frequente temas como "She does it right" serem incluídos em compilações do género), os Dr. Feelgood intuíram uma das dificuldades dos músicos de hoje: "Nunca vendemos muitos discos, éramos essencialmente uma banda de concertos. Os músicos de agora, infelizmente, estão quase todos nessa situação: sem atuações não há guito".
Uma panorâmica histórica
Para o espetáculo na concha acústica do Palácio, Morris promete uma panorâmica sobre a história do grupo, dos temas extraídos dos álbuns históricos - "Down by the jetty", "Malpractice" e "Sneakin" suspicion" - ao novo "Damn right", que interrompe um jejum de 16 anos desde "Repeat prescription" e que é obra de "absoluta crueza rock", nas palavras do baterista.
Constantemente na estrada desde o fim das restrições ligadas à pandemia, a banda de Essex tem passado por festivais e grandes recintos, mas a velha paixão pelo intimismo mantém-se: "Atuamos em qualquer lado, num estádio ou numa casa particular, mas os nossos melhores concertos foram sempre em pequenas salas, numa relação muito "in yer face" com o público."
A pop é para os outros
Sobre a passagem das décadas e de inúmeros músicos sobre as fileiras dos Dr. Feelgood, cujo vocalista atual é Robert Kane (ex-The Animals II e The Alligators), Morris diz que se criou uma espécie de "bolha". "Há um espírito próprio que permaneceu: não estamos muito preocupados em acompanhar tendências nem em inventar a pólvora. Ouvimos muito jazz, blues e soul. E as grandes bandas que nos formaram. As novidades pop podem ficar para os mais novos".
Uma boa introdução à banda é o documentário de Julien Temple "Oil city confidential" (2009), que faz o retrato da época em que se começava a desenhar, na postura agressiva e desbragada dos Dr. Feelgood, a revolução assumida por Sex Pistols, Clash ou The Damned.
Cartaz: dois dias para captar as várias formas de blues
A 5.ª edição do Porto Blues Fest apresenta um cartaz diversificado na abordagem ao género inventado no final do século XIX por músicos afro-americanos.
Esta sexta-feira, às 18.30 horas, é a vez de Budda Guedes, um dos mais fervorosos praticantes de blues em Portugal, partilhar o palco com o espanhol Danny del Toro para um diálogo entre guitarra e harmónica.
Mais tarde, às 21 horas, atuam Peter Storm & The Blues Society, outra banda com larga experiência que será a representante de Portugal no European Blues Challenge 2022, que terá lugar na Suécia.
A primeira noite termina com a voz de Janice Harrington, decana do blues norte-americano que chegou a colaborar com BB King e Sammy Davis Jr.
A abrir a segunda jornada do festival, no sábado, mais um grupo português, os The Smokestackers (18h), que vogam entre a tradição e a modernidade do blues. E antes do concerto dos Dr. Feelgood, que encerram o festival às 23 horas, escutar-se-á a proposta brasileira de Alexandre da Mata & The Black Dogs (21h30).