"Una isla", do grupo catalão Agrupación Señor Serrano, é uma imbricação do teatro com a Inteligência Artificial.
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Quando um repórter perguntou a George Mallory, alpinista britânico que participou nas primeiras tentativas de escalar o Everest, nos anos 1920, por que razão se lançava a tão arriscada aventura, obteve uma resposta lacónica: "Porque ele está lá". Desconhecemos se "Una isla", espetáculo da companhia catalã Agrupación Señor Serrano que se apresenta na 46.ª edição do FITEI, é a primeira imbricação do teatro com a Inteligência Artificial (IA), será certamente das primeiras, mas a resposta de Pau Palacios, que dirige a montagem com Àlex Serrano, à nossa pergunta sobre a sua motivação, evoca a do alpinista: "Porque a IA existe".
Existe e o que vemos no palco do Teatro Campo Alegre, no Porto, confirma-o: "Sem o diálogo com o Chat GPT e outros programas de conversação com a IA, o espetáculo, assim como o vemos, não existiria". Se for realmente o primeiro, nasceu em Portugal, numa residência artística em Setúbal, no âmbito do programa Rota Clandestina. "E se criássemos um espetáculo juntos?", perguntam à IA, que imediatamente avança com ideias.
No diálogo, que vemos projetado, há trocas de emissores e recetores, há jogo teatral, mas no fluxo criativo está presente a IA, que sugere que tudo comece com alguém a fazer alongamentos, que é o que se passa em cena quando a cortina abre.
Constrói-se uma ilha, uma sociedade e suas complexidades, sempre com orientação da IA.
Mas para Pau nem é a tecnologia o "punctum": "A partir deste diálogo, o que fazemos é indagar sobre a nossa relação com o outro, sobretudo o diferente". E reforça a ideia, quando lhe dizemos que a IA não é exatamente um imigrante: "Pensa então numa pessoa que rejeita imigrantes: mesmo que não estejamos de acordo em tudo com alguém, podemos ou não criar algo em conjunto?"
Outra dúvida que lançamos, sobre questões de autoria e criações fraudulentas. "É apenas um instrumento, como um sintetizador", diz Palacios, "quando apareceu, também suscitou essas perguntas". Insistimos: o sintetizador sem um músico não serve para nada. Mas com a IA há uma transferência de competências. E Pau retoma a lógica de Mallory, que acabou por morrer durante a ascensão: "Há que experimentar. Por que não fazê-lo?"