Período de confinamento fez aumentar as propostas de livros, mas só uma parcela ínfima foi aceite pelos responsáveis das editoras.
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As editoras portuguesas receberam um número recorde de propostas de publicação de livros no último ano, embora o aumento não tenha atingido a mesma dimensão em todas, ao variar entre os 10% e os 30%, segundo a amostra recolhida pelo JN.
Ana Afonso, diretora editorial do Grupo 2020, justifica este aumento como uma "consequência do maior tempo livre que muitos portugueses passaram a ter, com a escrita a surgir como uma das opções preferidas".
A convicção da responsável não se deve apenas ao facto de o surto de originais ter acontecido depois do primeiro confinamento, mas pelas temáticas escolhidas, muito ligadas à pandemia.
A opinião é corroborada pelo editor da Guerra e Paz, Manuel S. Fonseca: "Recebemos, na grande maioria, material ligado a essa experiência, como reflexões, diários ou romances marcados pelo tom da distopia ou solidão".
Já o diretor de marketing da Leya, Pedro Sobral, destaca "o pendor memorialista" de muitas das obras enviadas, recuperando "um género que estava a perder popularidade".
O surto de obras criadas no último ano fez aumentar as propostas de originais, mas não só. Na Leya, "o prémio que organizamos há mais de uma década registou um número de candidaturas sem paralelo", acrescenta Pedro Sobral.
Apesar de confirmar o acréscimo de originais recebidos, a editora Cláudia Gomes, da Porto Editora, crê que "a tendência não tem sido tão visível como a que aconteceu em países como o Reino Unido".
Leitores ignoram tema
Das muitas centenas de originais recebidos pelas editoras ao longo dos últimos meses, poucos foram publicados até à data.
O editor da Guerra e Paz atribui esse número reduzido à "qualidade pouco satisfatória da maioria dos originais, o que facilitou a nossa decisão".
Na 2020, grupo que agrega chancelas como a Elsinore e a Fábula, Ana Afonso revela que têm sido trabalhados alguns originais, em conjunto com os autores, para irem ao encontro das expectativas dos leitores. "A temática do confinamento não é suficiente para atrair os leitores, até porque a experiência demonstra-nos que os leitores não estão muito interessados no tema", avança.
O livro "Um cérebro à prova de cansaço", da autoria de Sandra Carvalho Martins, é uma das poucas exceções à regra. Segundo a Planeta, "o original foi recebido durante o primeiro confinamento e já se encontra na quarta edição, apesar de ter sido publicado apenas em abril deste ano".
O editor que se rendeu ao vício da escrita
Durante mais de três décadas, Luís Corte Real acalentou o desejo da escrita, sonhando replicar as aventuras de alguns dos seus heróis da banda desenhada e romances.
A vontade nunca desapareceu, mas a publicidade (foi copywriter durante dez anos) e o mundo da edição de livros (fundou e ainda dirige a Saída de Emergência) foram adiando sucessivamente os seus planos.
Até que uma certa pandemia mandou meio mundo para casa, no sentido literal, e Corte Real acabou por ver-se com mais tempo livre do que imaginava.
A diferença nem foi essa, mas sim a disciplina, confessa: "Por vezes escrevia 30 páginas, mas quando via que faltavam 300 para terminar, desanimava".
Tudo mudou no último ano. Das noites a fio em frente ao computador a escrever nasceu "O deus das moscas tem fome", um policial ambientado no final do século XIX que dá a conhecer um detetive do oculto chamado Benjamim Tormenta. Saído o livro, o vício permanece. "Já não consigo estar uma noite sem escrever", diz.