"Atrás da Mão" inaugura esta sexta-feira em Lisboa. Fica patente até 31 de dezembro.
Corpo do artigo
A escritora Luísa Costa Gomes vai revelar a faceta de pintora na exposição "Atrás da Mão", uma outra forma de expressão criativa, "muito estimulante", ativa desde muito jovem, mas que só agora decidiu partilhar, com inauguração esta sexta-feira, às 18 horas, na Fábrica do Braço de Prata, em Marvila, em Lisboa.
Não é um passatempo nem é recente, esclareceu a autora de romances, contos, crónicas e peças de teatro, com uma obra literária premiada desde há 40 anos, e que já tinha feito uma exposição "muito discreta", para amigos, há cerca de vinte anos.
"Desde muito miúda era algo que me interessava e que eu estudei dentro das minhas possibilidades. Sempre foi uma outra forma de me expressar", recordou a escritora à agência Lusa.
Em contexto da pandemia, Luísa Costa Gomes ficou confinada e o seu ritmo de trabalho mudou: "Em 2020 fiz a minha própria editora [O único e a sua Propriedade Edições], uma 'anti-editora', no sentido em que produz livros em quantidade diminuta, com edições muito pequenas, e achei graça pintar as capas".
Ver-se na circunstância de mudar as atividades habituais, foi, para a romancista e dramaturga de 67 anos, uma oportunidade de se dedicar mais à pintura, uma atividade que "surpreende algumas pessoas".
"Não é de um momento para o outro que se muda de carreira. Os pintores não se fazem da noite para o dia. É preciso estar no meio, estudar, ter alguma experiência", comentou a autora de "O Pequeno Mundo", o seu primeiro romance, distinguido com o Prémio D. Diniz da Casa de Mateus, e de "Olhos Verdes", Prémio Máxima de Literatura.
Ao longo do tempo, com fases intermitentes, Luísa Costa Gomes foi começando a experimentar na pintura, e a apostar em "formatos mais audaciosos": "Dá-me imenso prazer [esta outra forma de expressão artística], que me abre outro campo de experimentação que eu gostaria de partilhar".
Foi esse desejo de partilha, "totalmente genuína e benigna", que a fez avançar para a exposição, com oito peças de média dimensão e uma grande, ao todo nove pinturas a pastel de óleo.
"Aprendi a ter alguma paciência"
Passatempo não é, é antes "outra forma de experimentar formas, uma outra maneira de fazer, uma outra linguagem", porque Luísa Costa Gomes - cujo livro "Contos Outra Vez" ganhou o Grande Prémio de Conto da Associação Portuguesa de Escritores - não acredita muito em 'hobbies'.
Também afasta a ligação às comemorações assinalados em outubro deste ano, na Fábrica Braço de Prata, pelos seus 40 anos de carreira: "A exposição de pintura far-se-ia de qualquer maneira, mesmo sem essa efeméride. É algo que tem outro tempo histórico, e teve esta coincidência, não é alusivo nem ilustrativo", esclarece a escritora do romance "Ilusão (ou o que quiserem)" (2009), que recebeu, em 2010, o Prémio Literário Fernando Namora/Estoril Sol, "pela inovação e ágil registo estilístico", como referiu em ata o júri, e o Prémio de Ficção do PEN Clube, ex aequo com Dulce Maria Cardoso.
"Na minha vida, a pintura é uma outra experiência e outra forma de viver, bem simpática e divertida, estou a gostar muito", diz, apontando que adora a "parte física da pintura, a parte suja", depois de a ter experimentado com mais intensidade um ou dois anos na década de 1990, mas, a certa altura, desistiu porque "era fisicamente extenuante".
"Continua a ser bastante exigente do ponto de vista físico, mas é apaixonante. Aprendi a ter alguma paciência, e a não estar cinco a sete horas de pé, dobrada sobre o trabalho", descreveu, sobre a forma de lidar com as exigências desta atividade artística.
Sobre um eventual duelo de interesses entre as duas atividades, a criadora assume-se resolvida nesse aspeto: "Acho que as duas áreas se fertilizam e engravidam uma à outra, é muito estimulante".
Luísa Costa Gomes publicou ainda, na editora Dom Quixote, os livros infantis "A Galinha Que Cantava Ópera" (2005), com ilustrações de Pierre Pratt, "Trava-Línguas" (2006), com ilustrações de Jorge Nesbitt, "A Pirata" (2006), romance sobre a aventurosa vida da pirata Mary Read, e o livro "Setembro e Outros Contos" (2007).
Nesta primeira exposição pública de pintura, "o universo mais consiste é o da animação", uma referência que lhe parece "evidente".
"No fundo, é o universo que eu estou a tematizar no romance que estou a escrever, e que estou a começar. Há algo que faz ressonância na parte da pintura, e tem muito a ver com o universo da mecânica quântica. São interesses, motivações, prazeres, várias maneiras de estar interessada naquilo que faço", descreve.
Os livros que as editoras não querem
A pandemia ainda deu à luz outros projetos, porque a autora, que também se dedica muito ao teatro, em dramaturgia e traduções, com quatro a cinco por ano, foi forçada a uma paragem que lhe permitiu fazer um balanço para se dedicar à criação de um arquivo do que fez ao longo das décadas.
Assim nasceu uma editora onde inclui "tudo o que não tinha nenhum horizonte comercial": "Eu acredito muito em ter informação disponível para quem quiser ler. É muito difícil, hoje em dia, no mundo industrial, ter acesso às novidades".
"Esta é uma forma muito democrática de ter acesso a outras publicações menos comerciais, porque fiz tudo com acesso pelo 'e-book'. É difícil ter acesso a dramaturgias. Portugal não é só Lisboa e Porto. Há imensas companhias pelo país e pelo mundo todo, e o facto de as publicações estarem 'online' é muito importante para dar esse acesso", sublinha.
Nesta editora, a "pegada ecológica quase não se vê", porque "não multiplica, não desperdiça, não guilhotina exemplares, não procura leitores, anuncia que os livros existem e, no caso das obras únicas, espera por eles calmamente, sentada em casa", informa o sítio 'online' da escritora.
Aqui publica "os textos que a indústria e as editoras correntes não querem" - teatro, crónica, dramaturgia, guião, fotonovela, traduções, textos bloguísticos, etc. - e de cada livro faz "um 'ebook' acessível numa plataforma, por enquanto o Kindle da Amazon, mas em transição para alguma outra menos ofensiva do ponto de vista político".
Esta atividade também traz felicidade à autora, porque junta a atividade gráfica às outras da escrita.
"Extraordinariamente curiosa" de saber como as pessoas vão reagir às suas pinturas, Luísa Costa Gomes vive uma fase de partilha, sem nunca parar de se questionar sobre o que faz.
Mas uma coisa é certa: "Gostaria de fazer, para o ano, uma exposição com formatos maiores. Vamos ver como corre".
"Atrás da Mão" é inaugurada na sexta-feira, na Fábrica do Braço de Prata, onde ficará patente até 31 de dezembro de 2021.