Atriz belga Emilie Dequenne foi vítima de uma doença raríssima.
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Há atores ou atrizes para quem bastaria um filme para ficarem para sempre com lugar marcado na História do Cinema e, mais importante ainda, no imaginário coletivo. Foi assim com Emilie Duquenne, que além de vencer o prémio de interpretação feminina em Cannes, no ano de 1999, permitiu com a sua espantosa presença, que os irmãos belgas Jean-Pierre e Luc Dardenne vencessem a sua primeira Palma de Ouro.
O feito é ainda mais extraordinário se percebermos que se tratou do primeiro filme da jovem que então contava apenas 17 anos e nunca tinha trabalhado antes como atriz profissional. No entanto, este retrato de uma jovem que vive com a mãe alcoólico numa roulotte e que a câmara dos Dardenne não larga no seu percurso intransigente em busca de um trabalho fez com que “Rosetta” se tornasse de imediato um filme de culto, inspirador de cinéfilos e jovens realizadores e realizadoras em todo o mundo.
O meio cinematográfico acordou ontem com a trágica mas infelizmente já esperada morte de Emilie Duquenne, que contava apenas com 43 anos. Em 2023 a atriz revelou sofrer de uma forma de um carcinoma adrenocortical, uma forma raríssima de cancro. Depois de uma primeira remissão, a doença voltou, o que a levou a admitir publicamente, em dezembro passado “que não viverei tanto tempo como tinha previsto”.
Emilie Dequenne sonhara em adolescente ser atriz. Mas a mãe, desconfiada com as armadilhas que o cinema lhe podia apresentar pela frente, nunca aceitou que fizesse castings. Mas a tai da jovem Emilie descobriu um dia um anúncio para o casting do novo filme dos Dardenne, então já famosos na Bélgica, onde a atriz nascera, o que levou a mãe a autorizá-la a apresentar-se aos realizadores. Primeiro, através de uma foto e de uma pequena carta de intenções. Seguiram-se três encontros com Jean-Pierre e Luc, antes de ser escolhida como a sua Rosetta.
Luc Dardenne recordou hoje à Franceinfo o momento em que Emilie chegou, de saltos altos e muito maquilhada, pensando que ara assim que iria conseguir o papel, que lhe foi ter às mão pela forma como a câmara a adorava. Já Jean-Pierre Dardenne confessou emocionado à RTL : « Émilie era a alegria de viver, o entusiasmo. O entusiasmo permanente de ir fazer aquelo primeiro papel que tão magnificamente interpretou.
Com a força e o talento que demonstrou em “Rosetta”, Emilie Duquesne construiu uma carreira de mais de seis dezenas de filmes e trabalhos para televisão. Logo em 2001, seria a protagonista de “Oui, Mais…”, uma comédia sobre as dificuldades de uma adolescente em lidar com a sua sexualidade, o que lhe valeria um prémio de interpretação no Festival de Avanca.
A sua filmografia inclui títulos como “O Pacto dos Lobos”, “Os Nossos Filhos”, de outro valor seguro do cinema belga, Joachim Lafosse, “Uma Mulher de Sonho” ou “As Coisas Que Dizemos, as Coisas Que Fazemos”. A última vez que a vimos num filme entre nós foi em “Completamente Passado!”, que Gilles Legardinier adaptou de um dos seus romances e onde contracenou com John Malkovich e Fanny Ardant.
Pouco antes, também estreou em Portugal “Close”, do também beçga Likas Dhont, onde Emilie Dequenne é a mãe de um jovem adolescente que se suicida quando percebe que o sue melhor amigo da escola não corresponde à paixão que tem por ele.
Em Cannes, o JN esteve na altura a falar com a atriz belga, que nos recordou os seus primeiros passos como atriz, em “Rosetta”, dos Dardenne: “Lembro-me dos ensaios, dos primeiros testes com a câmara. A memória mais vívida que tenho é ver a câmara à minha frente, com uma equipa de cinco ou seis pessoas atrás. Era tudo tão novo para mim. Eu a corar e o Jean-Pierre a dizer-me que eu não podia corar.”
A atriz reviveu também o momento da obtenção do prémio de interpretação em Cannes: “Quando se ganha um prémio nunca se sabe porquê. Fazemos filmes porque gostamos e fazemos o melhor que podemos. Mas sente-se sempre que se teve muita sorte. Basta uma pessoa do júri não gostar de nós para não se ganhar. Comigo poderia ter sido diferente, nunca se vai saber”
Emilie Dequenne terminou a conversa com uma confissão. “Na altura só tinha 17 anos, mas era a primeira a chegar e a última a sair das filmagens. E estava tão feliz. Era aquilo que eu queria fazer a minha vida toda. E é o que tenho feito. Tenho feito as minhas escolhas, só faço os filmes que quero e que me tocam profundamente. Não gostaria de ter feito outra coisa na vida.”