Fantoches a contar a História de Portugal: a nova aventura de Hugo Van der Ding
Humorista leva “A Grande Fantochada” ao Teatro Maria Matos esta terça-feira e novamente em dezembro. Antes, falou com o JN sobre este e outros projetos.
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Se os Marretas se juntassem aos mais marcantes episódios da História de Portugal e a uma das mentes mais criativas da cultura contemporânea nacional, nascia precisamente isto: “A Grande Fantochada” de Hugo van der Ding, um formato inédito que recria a História num espetáculo ao vivo através de fantoches, manipulados pelo próprio e por Vítor D’Andrade – com música da pianista Joana Gama.
Multiplicam-se as datas extra do novo espetáculo que chegou à cena do Teatro Maria Matos de Lisboa no final de outubro: 14 de novembro, esta terça-feira, é uma nova data, bem como as noites de 20 e 27 de dezembro.
Ao JN, o escritor, cartoonista, locutor e “ilustrador acidental”, como se costuma designar, explica como nasceu este espetáculo, pouco depois do sucesso de “Vamos Todos Morrer”, – onde o autor primeiro abraçou a sua paixão pela História e por histórias, criando um podcast, que deu origem a um livro, mais tarde a um espetáculo e recentemente a um segundo livro. “Sim, isto já vem da ideia por base do “Vamos Todos Morrer”: no fundo, do meu querer contar histórias, com particular interesse pela História de Portugal. Penso que ainda há um pouco aquela noção de que a História é uma seca, que muitos trazem da escola, então eu tive esta ideia já desde há muito tempo, de contar a História de Portugal, do princípio ao fim com fantoches – agora como isto se explica terá de falar com o meu psiquiatra”, brinca o criador.
No fundo, adianta-nos Van der Ding, o espetáculo resume a nossa História do “princípio ao fim – quer dizer, o fim ainda não sabemos” ironiza, sendo certo que os fantoches permitem uma “aproximação de brincadeira aos eventos históricos, o que acaba por tornar tudo muito mais divertido”.
A verdade é que, até este momento, o autor nunca tinha trabalhado com marionetas, admite; o que se revelou um desafio, embora tenha tido preciosas ajudas. “Eu comecei a desenhar o espetáculo na cabeça, e depois tenho umas amigas, que se chamam de Lavandaria, a Marta Teixeira da Silva e a Mariana Fernandes, com quem já faço serigrafias, com quem já fiz exposições. E elas ajudam-me sempre nas minhas ideias mais malucas”, começa por explicar.
“Eu disse-lhes que precisava agora de bonecos e elas responderam-me logo “não””, brinca. “Mas depois surgiram com seis bonecos incríveis, grandes para terem leitura em palco, uma espécie de Marretas”, continua. “Agora, eu vou pensando nas coisas aos poucos e só depois e me lembrei que eles são relativamente difíceis de manipular- na estrutura são simples, mexem basicamente a boca, mas o movimento do corpo é com os braços. Mas tivemos uma especialista a ensinar-nos e a pôr-nos a fazer o aquecimento das costas, braços e mãos”, acrescenta.
“Joana Gama vai deixar de ser respeitada”
Entretanto a ideia foi crescendo: “acabei por convidar para ter em palco o Vítor D'Andrade, a fazer os bonecos comigo, como ator. Depois fomos convidar a pianista Joana Gama, que é uma pianista seríssima, uma concertista incrível, respeitada em Portugal e no estrangeiro - e que rapidamente depois disto vai deixar de o ser”, ironiza novamente Van der Ding.
A pianista apresenta-se com um piano em miniatura, para crianças, que só tem uma harmonia. “Não é a primeira vez que ela faz espetáculos para crianças. Só que aquilo ficou incrível. Quando a convidei, ela disse que não sabia bem, teria talvez uns momentos musicais e só. Só que isto foi evoluindo ao longo dos ensaios. Ela foi-se entusiasmando e ficou uma coisa musicalmente incrível. É uma banda sonora, mesmo”, adianta o autor.
E acrescenta: “nos ensaios foi muito divertido porque éramos só três, mas foi uma coisa muito intensa. Tivemos pouco tempo de ensaios, eu vinha de fazer outra coisa e aquilo foi quase 15 horas por dia. Foi intenso, mas muito engraçado”.
A paixão pela História
Para Hugo Van der Ding, o apreço pela História é uma coisa natural, que vem desde pequeno. “Vem desde sempre. Bem como esta vontade de contar histórias, adoro contar histórias, adoro aprender coisas”. Mas como é que se selecionam os factos a endereçar? “Eu no espetáculo conto mesmo a História de Portugal. Claro que fui escolher, porque era o que me interessava, os ‘quadros’ que as pessoas reconhecessem. Mas é basicamente uma viagem através dos olhos do Camões. O enredo mostra que Camões veio de uma viagem, o pai dele perdeu-se e ele está no consultório da Juliana Saavedra, que existe em boneco, a contar-lhe de um reino que ele visitou, que era impressionante. E depois é a História de Portugal”, como se acontecendo toda num espaço temporal menor.
Sempre com um tom mais leve, “o nosso momento mais sério acaba por ser a expansão marítima”, conta Hugo. “E depois temos o Brasil, o terramoto no fim o Estado Novo – mas com Salazar a ter um fim à [Quentin] Tarantino, para não revelar tudo”, adianta.
Deste projeto é praticamente indissociável o sucesso de “Vamos Todos Morrer”, as pequenas biografias de rádio que originaram livros e espetáculos e, por isso, Hugo Van der Ding recorda-nos como tudo começou: “quando fui fazer as Manhãs da Três, convidaram-me para fazer também uma rubrica e pensei logo nisto – porque eu andava a fazer, na altura ainda no Facebook, necrologias, que é um estilo que eu acho incrível, acho mesmo, fazer um apanhado, umas biografias. E fazia isso com alguma graça, mais leve e percebi que as pessoas achavam graça aquilo”, começou.
“Então propus se poderia ser interessante falar da morte de alguém, dessa efeméride da morte, falar de História. E aquilo, claro, eu tinha e às vezes ainda fico na dúvida se as pessoas querem saber disto ou daquilo… Como gosto muito de História, desde criança leio muito, sobretudo ao início tinha um bocadinho dificuldade de perceber o que é que toda a gente já sabe e o que é que não sabe”, explica. “Então foi também uma aprendizagem”, adianta. A parte mais surpreendente do “Vamos Todos Morrer” é, para o autor, “ser um sucesso enorme com as crianças. Porque os miúdos vão atrás no carro, de manhã para a escola e parece que adoram. Isso foi muito surpreendente”, reitera.
Já este ano surgiu o podcast “Vamos para a Tua Terra”, no qual um país, ou uma parte do mundo, foi sendo revisitado pelos olhos de quem lhe chamava terra: um programa que permitiu endereçar e desconstruir temas como a xenofobia. Com tudo o que está a acontecer no mundo, o escritor diz “não estar muito otimista” na escala macro, mas frisa, também por isso, “ser cada vez mais importante a nossa ação individual”.
“Eventualmente, isso podemos fazer. Podemos acolher as pessoas, sensibilizar os outros, fazer as pessoas sentirem-se em casa. O programa foi tão enriquecedor para mim, porque as pessoas ficavam contentes, de estar num país que não era o seu, a falar do seu país. E eu fiz aquele exercício, que é, se eu morasse nas Filipinas, que alguém me convidasse a ir à rádio à RTP das Filipinas, falar de Portugal, ia ficar contentíssimo, é uma sensação incrível”. Além de lançar o debate: “a reação foi muito boa, no programa todo. As pessoas seguiam com atenção”.
As tiras e as mulheres
Mesmo com vários projetos ao mesmo tempo, não faltam nunca, na vida de Van der Ding, as tiras que publica regularmente nas suas redes sociais, como as já icónicas Criada Malcriada, Juliana Saavedra, As Aventuras da Dra. Messalina. Apesar de versarem sobretudo sobre mulheres, nem sempre ali lisonjeadas, o sucesso parece ser maior entre o público feminino, o que não surpreende o seu criador.
“As tiras são o meu passatempo, o meu guilty pleasure. E acho incrível as pessoas gostarem das personagens e partilharem, fico muito contente”, começa por dizer. “Só reparei mais tarde, por acaso, acho que a propósito de uma entrevista, que as personagens são todas mulheres e os homens quando aparecem é só como que acessórios ou aparecem para efeitos cómicos” frisa, avançando com uma explicação: “depois analisei um bocadinho mais e pensei que eu cresci muito com a influência da minha mãe, da minha avó portanto o mundo das mulheres é mais presente na minha vida, na minha adolescência quando era mais miúdo. E depois acho que as mulheres tem mais nuances psicológicas, têm uma paleta muito maior. E acho que isso tem a ver com o facto do patriarcado ancestral ter obrigado as mulheres a exercer uma forma de poder muito mais subtil, pelo que desenvolveram essas capacidades, de ser complexas”, adianta.
Com tantos projetos, o tempo não sobra para o autor, mas as ideias não param de surgir. “Tempo não sobra, não. É difícil, nos últimos tempos tem sido mesmo complexo ao ponto que começa a afetar um bocadinho a minha criatividade, estou sempre a fazer coisas! Portanto vou descansar um bocadinho continuando a fazer a rádio eu estou muito entusiasmado com a ideia de escrever para teatro. Eventualmente, tentar escrever para cinema”, explica.
“Mas vou deixar-me um bocadinho de lado, não preciso de entrar. Ou seja, é divertido escrever– já escrevi uma peça que estreou o ano passado com o Martim Sousa Tavares, e é muito divertido escrever e ir à estreia sentadinho no público, sem aquele stress horrível. É que depois é divertido no palco, mas aquela meia hora antes é a pior coisa do mundo”, confessa.
Falta ainda a concretização de um outro sonho, para breve, avança ao JN: “vou lançar o meu romance, que era para ter saído agora em novembro, mas ando a adiar há anos. No princípio da primavera será, vai estar cá fora o meu primeiro romance a sério”, diz. Como título, tem um “working title”, ou título em progresso: “não sei se vamos mudar, mas chama-se “Extraordinário”. Não sei, espero que o seja”, brinca.
“A Grande Fantochada”, de Hugo van Der Ding
14 de novembro, 20 e 27 de dezembro, Teatro Maria Matos, Lisboa
Bilhetes a 18€