Edição 75 do certame tem uma vasta presença portuguesa.
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Cinema e política há muito que andam de mãos dadas, e é bom que assim seja, que o mundo dos filmes e os seus responsáveis não estejam alheios ao que se passa à volta. Aliás, o Festival de Cannes deveria ter conhecido a edição inaugural em 1939, o que não aconteceu devido ao início da Segunda Guerra Mundial. A primeira edição teria assim lugar em 1946.
Comemorando as 75 edições - em 2020 não houve festival, por causa da pandemia - Cannes convive uma vez mais com uma guerra na Europa. Já tinha acontecido com os conflitos dos Balcãs e decorre agora com a invasão da Rússia à Ucrânia.
Desde a primeira hora que o certame se colocou do lado das sanções culturais contra a Rússia, menos consensuais que as sanções económicas, e a primeira trágica ironia teve a ver com o filme escolhido para abertura do festival, logo ao fim da tarde, quando as primeiras estrelas começarem a subir a passadeira vermelha que dá acesso à grande sala Lumière.
É que a comédia de Michel Hazanavicius, o mesmo do bem-sucedido "O artista", centrada na equipa de rodagem de um filme de zombies que se depara com zombies a sério, tinha como título simplesmente "Z", que os russos usaram como sigla evocativa da invasão da Ucrânia. Uma "distração" ou uma péssima noção de timing logo resolvida com a alteração do título do filme. Agora, chama-se "Coupez!" (Corta!).
Mais a sério, muito mais a sério, o festival irá exibir "Mariupolis 2". Após rodar o primeiro filme em 2016, o realizador lituano Mantas Kvedaravicius regressou à cidade ucraniana agora ocupada, mas seria capturado e morto pelo exército russo. A noiva, Hanna Bilobrova, que o acompanhava na altura, conseguiu retirar o material já filmado e, com o editor de Mantas, terminou a versão que iremos ver dentro de dias.
colheita de fundos
Sem filmes russos em qualquer secção do festival, há no entanto a exceção que confirma a regra. Kirill Serebrennikov, que há muito está a contas com a justiça da Rússia alegadamente por desvio de fundos, justificação oficial para uma clara dissidência política com o Kremlin, fora autorizado em janeiro a viajar para fora do país e estará em Cannes para apresentar "Tchaikovsky"s wife", em competição pela Palma de Ouro.
Já nos últimos dias, soube-se que a decisão de banir a Rússia do festival incluía a não acreditação de jornalistas daquele país, alguns dos quais com mais de 30 anos de Cannes. Pelo contrário, haverá filmes ucranianos em várias secções e o Mercado do Filme, que não exigiu pagamento da habitual taxa para colocação de um pavilhão às autoridades ucranianas, irá dedicar um dia àquele país, com uma colheita de fundos para ajudar à reconstrução da indústria cinematográfica local, bastante afetada pela guerra.
Se o sistema de bilheteira eletrónica o permitir, não indo constantemente abaixo como acontece desde que abriu, há já três dias, para terror dos mais de dois milhares de jornalistas presentes em Cannes, aqui estaremos para acompanhar a simpática presença portuguesa (ler caixa) e como decorre a corrida à Palma de Ouro, a entregar ao fim da tarde do dia 28. James Gray, David Cronenberg, Jerzu Skolimowski, Cristian Mungiu, Kelly Reichardt, Claire Denis e os irmãos Dardenne, entre outros, estarão atentos às decisões do júri, presidido pelo ator francês Vincent Lindon.
Uma dezena de obras com mão portuguesa na Riviera
Pacifiction
Albert Serra
Competição - coprodução da Rosa Filmes
Crimes of the future
David Cronenberg
Competição - com o ator luso-guineense Welket Bungué
Un petit frère
Léonor Serraille
Competição - produção da luso-francesa Sandra Da Fonseca
Restos do vento
Tiago Guedes
Sessão Especial
Fogo-fátuo
João Pedro Rodrigues
Quinzena dos Realizadores
Alma viva
Cristèle Alves Meira
Semana da Crítica
Ice merchants
João Gonzalez
Semana da Crítica
Tout le monde aime Jeanne
Céline Devaux
Semana da Crítica - coprodução de O Som e a Fúria
Mistida
Falcão Nhaga
Cinef
L"ombre de Goya
José Luis López-Linares
Cannes Classics - coprodução da Fado Filmes