Lav Diaz, o realizador filipino conhecido pelos seus filmes de longa duração com várias horas, conseguiu contar em apenas duas horas e meia a história, ou algumas histórias, das epopeias de Fernão de Magalhães, mas não exatamente aquelas heroicas que foram contadas a várias gerações de jovens estudantes.
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O filme acompanha as viagens a Malaca e depois, já sob a égide espanhola, a descoberta do caminho de circunvalação, até à morte em combate em Cebu, nas Filipinas. Daí, muito provavelmente, o interesse do realizador filipino, que mostra de novo o seu cinema radical e rigoroso, de grande beleza visual, e com um ritmo muito próprio, mas que, desta vez, pode entusiasmar mais público do que os seus habituais e fiéis seguidores.
O filme é uma coprodução portuguesa, com a parte nacional a ser da responsabilidade da Rosa Filmes. Joaquim Sapinho acompanhou a equipa na projeção oficial, com Lav Diaz ao seu lado, e no final, por entre a dezena de minutos dos aplausos, Lav Diaz abraçou várias vezes o produtor português, visivelmente muito feliz.
Na sala estavam também a atriz portuguesa Ângela Azevedo, o realizador e produtor espanhol Albert Serra, que volta a acompanhar Sapinho nesta grandiosa aventura e, não podia deixar de ser assim, o ator mexicano Gael García Bernal, que interpreta a figura de Magalhães, e que não se esqueceu da língua portuguesa, ao dizer ao microfone, sem grande sotaque, “muito obrigado, muito obrigado”. Uma curiosidade: a personagem de Afonso de Albuquerque é interpretada pelo reputado crítico e programador argentino Roger Koza.
O filme foi exibido no quadro da recente secção Cannes Premiere, reservada a filmes que aparentemente terão agradado à organização, mas não o suficiente – ou por outras razões – para concorrer à Palma de Ouro. E o “Magalhães” de Lav Diaz seria seguramente um possível vencedor de Cannes 2025.
A competição continuou, entretanto, com filmes de gente famosa, como Richard Linklater, Kléber Mendonça Filho e Wes Anderson. O primeiro apresentou “Nouvelle Vague”, reconstituição dos ambientes dos Cahiers du Cinéma no final dos anos de 1950 e a revolução no cinema operada por Jean-Luc Godard e os seus pares, sobretudo com a rodagem de “A Bout de Souffle”. O filme de Linklater pode ser mesmo visto como o mais extraordinário dos “making of” de um dos filmes capitais da história do cinema.
O brasileiro Kléber Mendonça Filho, presença regular em Cannes, onde já apresentara “Bacurau” e “Aquarius”, regressa agora com “Agente Secreto”, levando-nos ao Recife de 1977, com Wagner Moura num perito em tecnologias que regressa à terra natal em busca de paz, mas se vê envolvido numa caça ao homem.
Já Wes Anderson provou uma vez mais, com “The Phoenician Scheme”, ser o mais sobrevalorizado dos realizadores do mundo. Com direito a duas aberturas de Cannes e uma de Berlim e os seus filmes a serem selecionados constantemente para os maiores festivais do mundo, avalia-se o que pode ser um magnífico diretor artístico, mas incapaz como realizador de criar qualquer empatia entre as suas personagens “de papel” e o lado de cá do ecrã. Escrito a quatro mãos com Roman Coppola, filho de Francis Ford, o filme centra-se nos negócios globais da personagem interpretada por Benicio del Toro, ao lado, como sempre em Anderson, de uma série de gente conhecida que faz apenas figura de corpo presente. As duas horas mais inúteis da edição 78 do Festival de Cannes.