A primeira realizadora saudita da História, Haifaa al-Mansour, falou com o JN no Red Sea Film Festival sobre as mudanças no país.
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Autora de filmes como "Wadjda", sobre uma jovem que deseja ter uma bicicleta, ou "A candidata perfeita", sobre uma mulher que resolve candidatar-se a eleições municipais, Haifaa al-Mansour é a primeira mulher cineasta da Arábia Saudita, país que saiu há pouco tempo de um período de 35 anos sem salas de cinema. Mas as mudanças naquele território ficaram bem refletidas no recente Red Sea International Film Festival, em Jidá, a segunda maior cidade do país. Foi lá que o JN falou com a realizadora.
O que sente por ser considerada a primeira mulher realizadora do seu país?
Tenho muito orgulho. Espero inspirar muitas jovens. Mas não me considero um modelo, há pessoas que tomam melhores decisões.
Até que ponto este festival vai mudar a sorte de jovens mulheres que aspiram a ser realizadoras?
Criei a minha própria sorte. Venho de uma cidade que quase não vem no mapa. Na escola não se estudava inglês. Tive a sorte de os meus pais serem da classe média liberal. Não me forçaram a usar o véu e podia ouvir música. Mas vivi a vida típica de uma jovem da Arábia Saudita. Sei bem como este festival vai ajudá-las.
Quando viu um filme pela primeira vez?
Nós íamos ao Egito, devo ter visto lá, não me lembro. Lembro-me de alugar filmes em VHS. Não podia entrar na loja, não era considerado um lugar próprio para uma mulher. Tinham de vir cá fora com o catálogo.
Como foi fazer o seu primeiro filme?
Foi uma experiência quase amadora. O meu irmão segurava a câmara, a minha irmã era a estrela. Não tinha ideia de como montar o filme. Mandei-o para um festival em Abu Dhabi e foi aceite. Lá disseram-me que sou a primeira mulher realizadora na Arábia Saudita.
Neste festival, já vemos vários filmes de mulheres.
Ainda estamos no princípio. Estamos a abrir-nos, mas é preciso tempo para haver mudanças mais significativas. São estas vozes que estamos agora a ouvir que vão criar a mudança cultural.
Vê-se nos cinemas muitas jovens felizes por estarem a assistir a um filme.
As mulheres estão a viver um grande momento na Arábia Saudita, que ainda é uma sociedade conservadora. Vai ser preciso lutar muito, mas é um caminho que vale a pena percorrer. Vai ser duro mas vai dar resultados.
Como é regressar à Arábia e observar estas mudanças?
É fantástico ver mulheres a trabalhar em locais públicos. Antes não era possível. Tenho uma irmã que se divorciou. Antes, o pai ficava com os filhos, a mulher não podia tratar dos papéis nem conduzir. Agora pode guiar, ficar com os filhos, tratar de tudo sozinha.
Mesmo falando de temas sérios, os seus filmes têm sempre algum humor.
As pessoas estão à espera de um filme triste, sobre alguém que tem sido oprimida. Sempre quis criar personagens que não são vítimas. Vivem em circunstâncias difíceis, mas não são definidas por isso. Definem-se pelas lições que disso tiram.