Até 3 de dezembro, a exposição "Urban [R]Evolution” reúne 18 dos mais icónicos artistas nacionais e internacionais do movimento.
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“O graffiti é uma arte, e se a arte é um crime, que Deus perdoe a todos”. A frase icónica do street artist Lee Quiñones, que chegou a estar numa das suas muitas peças em Nova Iorque que seriam depois apagadas, foi hoje novamente invocada pelo próprio, como lema e bandeira do movimento de arte urbana, na apresentação de uma nova exposição em Lisboa.
Durante seis meses, o presente, o passado e o futuro da cultura urbana são revistos numa gigante mostra da Underdogs e Everything is New. Entre 21 de junho e 3 de dezembro, a Cordoaria Nacional recebe "Urban [R]Evolution”, um espaço de quatro mil metros quadrados em que o graffiti, a arte urbana e a fotografia se unem, numa homenagem, retrospetiva e celebração do movimento.
A inauguração aconteceu hoje mas, antes, os jornalistas conseguiram conhecer este “projeto de sonho” para muitos dos envolvidos, por reunir alguns dos artistas com mais impacto e maior papel no nascimento, desenvolvimento e crescimento da arte urbana.
Lee Quiñones, mais conhecido simplesmente por Lee, figura lendária dos primeiros tempos do graffiti de Nova Iorque e famoso por pintar carruagens inteiras do metro – mais de 120, como relembrou – veio a Lisboa e está representado com um espaço criado de propósito para o efeito. Aqui, aliás, todas as peças são exclusivas e criadas pelos artistas para este momento, frisou de início Álvaro Covões, da Everything is New.
A curadoria de "Urban [R]Evolution” esteve a cargo de Pauline Foessel, co-fundadora da Underdogs, e Pedro Alonzo e, juntos, foram eles quem selecionou os artistas portugueses e estrangeiros que participam; sendo que a Lee juntam-se outros icónicos nomes.
Um deles é Shepard Fairey, talvez um dos artistas americanos mais famosos do mundo, cujas imagens se tornaram parte da cultura e história de Nova Iorque. Shepard é também conhecido com o nome artístico de OBEY, que nasceu da sua campanha de enormes adesivos 'André, o Gigante” que criou nos anos 80, quando ainda estava na faculdade (“a primeira campanha viral muito antes da internet”, lembrou na Cordoaria). Ou que ficou (ainda mais) famoso com a campanha HOPE, onde usou a imagem de Barack Obama.
Shepard Fairey assina um espaço no interior da Cordoaria Nacional, onde a sua marca é óbvia; mas tal como Add Fuel tem também outro no exterior, chamando a atenção dos transeuntes para a nova mostra.
Cabines individuais, arte de surpresa
Cada artista tem então em "Urban [R]Evolution” o seu espaço, uma espécie de cabine, onde criou ou instalou a peça que idealizou para a mostra. Vhils está lá, com uma área que contém três histórias, ou três rostos em diferentes cidades, conforme explicou.
“É sobre a relação que todos temos com o meio onde crescemos e vivemos; mas também sobre as lutas que nos definem. E o interessante de eu ter feito projetos nos últimos anos em diferentes cidades foi perceber que, apesar das nossas diferenças, as lutas nas várias cidades são comuns em todos nós”, frisou Alexandre Farto.
A presença portuguesa é aliás forte; Add Fuel, ou Diogo Machado, com uma reinterpretação dos azulejos portugueses, AkaCorleone com uma exploração entre o analógico e o digital, Nuno Viegas. Wasted Rita, Tamara Alves, Obey Sktr são alguns dos representantes da criatividade e diversidade nacional. “Uma das coisas mais fascinantes da exposição foi a surpresa de saber o que cada um traria”, explicou o curador Pedro Alonzo.
Do estrangeiro, aos icónicos nomes já referidos juntam-se outros igualmente importantes no movimento como Felipe Pantone, Swoon, Futura, Barry Mc Gee ou Maya Hayuk. Esta última, de origem ucraniana e americana, dedica o seu espaço à Ucrânia, de onde diz ter retirado muita da sua inspiração (baseada no artesanato e bordados que aprendeu em pequena), embora só agora o mundo o perceba, com o recente enfoque inadvertido no país.
Já a norte-americana Swoon, ou Caledonia Curry, é outro ícone da arte urbana no feminino, sendo conhecida como a primeira mulher a ganhar reconhecimento alargado no mundo predominantemente masculino da street art. Começou a apresentar trabalho nas ruas de Nova Iorque enquanto estudava no Pratt Institute of Art, colando os seus retratos em papel nas fachadas de edifícios; e à Cordoaria traz uma instalação dedicada aos desafios das dependências e à forma como a sociedade lida com eles, explicou.
Ao JN acrescentou ainda como sempre se sentiu, na verdade, acolhida pela comunidade do street art. “Penso que em toda a arte, sobretudo ao nível de que consegue melhores projetos, é endémico que seja um mundo mais masculino, não só no graffiti. Mas eu sempre me senti acarinhada”, destacou. Sobre a (R)evolução que está a acontecer na Cordoaria, diz que a exposição está um “espaço incrível que traz a história mais vasta do graffiti e arte urbana para um trabalho mais amplo que as liga”.
Neste papel de ligação, a “espinha dorsal”, a linha condutora de toda a mostra, tem um importante nome, também no feminino: Martha Cooper, uma das artistas convidadas e fotojornalista norte-americana que documenta a arte de rua e o graffiti desde a década de 1970, sendo considerada uma das grandes impulsionadoras e documentaristas desta cultura.
Também presente na pré-inauguração na Cordoaria, a fotógrafa foi comentando as imagens que documentam o crescimento da street art. E que contam a sua história: a história da Nova Iorque decadente e problemática que esteve muito na génese do movimento; dos tags, graffiti e pinturas no Metro; a história de artistas que se expressavam em comboios ou murais; do respeito mútuo e despique saudável entre eles; a história de noites em claro, de muito planeamento, de latas de tinta acabadas; do breakdancing e rap, de fugas da polícia e do sucesso individual e inesperado de muitos deles e que em muitos casos ainda hoje perdura.
A estas, juntam-se agora novas histórias, como as trazidas pelos artistas portugueses, “cujo trabalho é fascinante”, garantiu Swoon.
O desenvolvimento da arte urbana já pode ser conhecido, na Cordoaria, em Belém, com bilhetes a partir de 6€.