Quinto filme da saga deu cor a um festival marcado pelo tempo cinzento
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Chama-se "Indiana Jones e o Marcador do Destino", estreia em Portugal a 29 do próximo mês de junho e teve a sua primeira projeção mundial fora de concurso no Festival de Cannes. A cidade da costa mediterrânica francesa viveu os primeiros dias do festival sobre fortes chuvadas e um sistema de bilhetes eletrónicos que enerva diariamente todos os creditados em Cannes, jornalistas e outros profissionais que, mesmo com o tal bilhete conseguido milagrosamente nos seus telemóveis são obrigados a longas esperas, devido a um controlo de segurança tão ridículo como ineficaz.
Felizmente que há Indiana Jones para nos salvar, uma vez mais. Quinto filme da saga, e o último, garantido por Harrison Ford na conferência de imprensa que se seguiu à projeção, onde o ator já octogenário receberia uma Palma de Ouro de Honra. Uma cerimónia um pouco ensombrada por mais uma gaffe da "organização" à francesa, que colocou a esposa do ator, a atriz Calista Flockhart, uma fila atrás de Indy. Nada de grave, resolvido com a habitual souplesse pelo mais famoso arqueólogo do mundo.
O filme é o primeiro da série a não ser realizado por Steven Spielberg, desde a sua estreia em 1981, com "Os Salteadores da Arca Perdida", substituído aqui com plena eficácia por um James Mangold, autor de filmes como "Copland - Zona Exclusiva" ou "Vida Interrompida", ou mais recentemente "Wolverine" ou "Le Mans 66 - O Duelo", se pode chamar já como "da velha guarda".
"Indiana Jones e o Marcador do Destino" tem vários saltos temporais, o último dos quais verdadeiramente inesperado, mas que não vai ser revelado aqui para não estragar a surpresa, o mesmo acontecendo com o maravilhoso final. O filme inicia-se ainda nos últimos dias da Segunda Guerra Mundial, onde Indy Jones e um maquiavélico oficial nazi tentam descobrir um artefacto que é aliás falso, descobrindo no entanto a metade de um mecanismo criado há dois mil anos por Arquimedes, que pode alterar o curso da História.
Mads Mikkelsen adiciona mais um genial vilão à saga, no papel de um nazi insatisfeito com o rumo perdedor que Hitler deu à guerra e que sonhe ser ele capaz de manter vivo o III Reich por mil anos. O episódio serve para uma das mais espetaculares cenas da série, com Harrison Ford, bem ajudado pela tecnologia de ponta ao serviço do cinema, numa inesquecível corrida no topo de um comboio em alta velocidade... e com vários túneis pelo caminho.
Salto para uma América marcada pela chegada do Homem à Lua, onde Phoebe Waller-Bridge interpreta o papel da filha de Shaw, o velho colega de aventuras de Jones, que víramos ainda na primeira meia-hora do filme. Os dois, o nosso herói e Helena, vão voltar a viver mil aventuras, num filme visto de um só fôlego, absolutamente espetacular, irresistível para qualquer bom fã da série e capaz de lhe trazer novos públicos, com a sua sinceridade de filme de ação e aventura, onde a história é mais importante que os efeitos
especiais que, estando lá porque assim teria de ser, não se impõem à trama. Bem vindo Harrison Ford - numa forma insuperável com a sua idade, e referindo sentir-se "abençoado pelo corpo que tenho" -, até sempre Indiana Jones.
A competição decorre entretanto ao ritmo de dois ou três filmes por dia, tendo já os seus momentos altos e baixos, mas ainda não anunciando uma possível Palma de Ouro. No entanto, a espiritualidade e a afirmação da diferença de "Monster", do japonês Kore-eda Hirokazu, marcado ainda pelo último trabalho no cinema de Ryuichi Sakamoto, a cuja memória o filme é dedicado, o documento sobre a falta de esperança de uma juventude chinesa no fresco documental de Wang Bing, "Youth" ou o também longo mas magnético "About Dry Grasses", de Nuri Bilge Ceylan, metáfora sobre a sociedade turca dos nossos dias, através do retrato de uma escola nas montanhas nevadas do Curdistão turco, poderão bem integrar o palmarés do festival.
Mas, a uma semana ainda do fecho de Cannes 2023, ainda falta ver os filmes de gente como Todd Haynes, Aki Kaurismaki, Marco Bellocchio, Catherine Breillat, Wim Wenders, Ken Loach ou Nanni Moretti. Como este último poderia dizer, "Habemus festival". Pelo menos, Indiana Jones passou por aqui e deixou a sua marca.