Aos 72 anos, a multipremiada atriz francesa Isabelle Huppert é protagonista do drama “A prisioneira de Bordéus”, já nos cinemas.
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Em “A prisioneira de Bordéus”, realizado por Patricia Mazuy, Alma e Mina são mulheres de meios sociais completamente opostos, mas com algo que as une: os maridos estão na cadeia. Ao lado de Hafsia Herzi, Isabelle Huppert é a mulher da alta sociedade que abre as portas da sua mansão a quem pouco tem na vida, a não ser os seus filhos. A veterana atriz francesa, já septuagenária, mas com enorme vitalidade e juventude de espírito, esteve a conversar com o JN.
Já não é a primeira vez que interpreta alguém que ajuda outra pessoa na vida.
Não sei se [a personagem] toma essa decisão apenas por generosidade. Fá-lo porque a sua vida é vazia, a casa dela está vazia. É uma decisão muito instintiva, não pensa no que está a fazer. O que ela faz não é para a outra mulher, é para si própria. É uma reação humana. O filme acaba por ser uma tragicomédia. Nem esperava que as pessoas rissem tanto com o filme. Mas também há algo de muito negro. Esta relação tem algo de irreconciliável. Os mundos delas são muito diferentes.
O que a atraiu no projeto?
Não faço um filme por razões muito profundas. É claro que leio o guião e neste caso não era muito evidente a opção de transformar a personagem em alguém divertido; a linguagem corporal também diz muito sobre a relação dela com o mundo. O que me fez aceitar o filme foi a Patricia Mazuy, com quem já tinha feito “Saint Cyr”, um grande filme.
O que aprecia na cineasta?
Há qualquer coisa de muito afiado e duro na visão que ela tem do mundo que torna as histórias muito interessantes. E um lado político, no sentido lato da expressão. Tenho-a seguido e o filme anterior, “Bowling Saturne”, é uma pequena obra-prima.
Qual das duas mulheres do filme é a prisioneira do título?
Depende da perceção que cada um tem do filme. Mas são ambas prisioneiras da sua condição no mundo. No caso da minha personagem, tem dinheiro, mas não tem amor. A outra personagem tem menos coisas do que ela, mas, de certa forma, tem mais, porque tem amor na sua vida. O filme diz muito sobre o que é ter e não ter.
Disse uma vez que edifica as personagens pela roupa, pelos sapatos, pelo penteado…
Neste filme trabalhei muito esse aspeto – queria fugir à imagem estereotipada da mulher burguesa, com roupa de grandes marcas. Só uso uma vez um casaco Armani, porque é um sinal social. Esse lado é dado pelos convidados na cena do jantar, em que se faz uma caricatura daquelas pessoas e se sente a enorme diferença entre aqueles dois mundos.
Como a sua personagem, alguma vez quis deixar tudo e partir?
Sim, todos nós temos alguma vez na vida essa fantasia. É uma das forças do filme, ela é capaz de fazer algo que está na mente de todos, um dia partir e deixar tudo para trás. É um pensamento necessário, é algo que nos mantém vivos. Claro que quase nunca o fazemos, mas ela tem, obviamente, essa necessidade.
A casa representa a utopia?
É essa uma das mensagens do filme. Ela pensa que isso é possível. Mas quando sabe que o marido vai sair da prisão, percebe que não, que o equilíbrio entre as duas mulheres vai colapsar. O filme todo está cheio de nuances. Quando ela visita o marido, percebe-se que não há ali amor.
Esta história poderia ter sido contada por um homem?
É uma boa pergunta, mas não tenho resposta. Realmente não sei. Talvez não. É-me sempre difícil classificar cinema masculino e cinema feminino. Há muitos filmes feitos por homens que têm uma grande sensibilidade para com a psique feminina.
Apesar de origens sociais tão diferentes, estas duas mulheres compreendem-se?
Ambas acreditam nisso. A Alma, a minha personagem, acredita mais, porque a Mina percebe muito cedo que não é possível. A Alma é ex-bailarina, o que a separa da caricatura da mulher burguesa, fria, sem interesses. Ela tem as suas fantasias, é por isso que tem uma ligação imediata com as crianças da Mina. Dá um certo charme à personagem.
Já filmou em quase todo o mundo. Sair de Paris para Bordéus faz alguma diferença?
Bem, Bordéus não é a mesma coisa que ir filmar na Coreia. Mas França é um país muito centrado em Paris – e quando se sai da capital, a vida é diferente. Bordéus é lindíssima – tem um grande museu de arte moderna.
Como mantém a chama para trabalhar ao ritmo que o faz?
Sinto-me feliz com o que faço. Nunca pensei que a idade fosse um problema.