Documentário de George Gachot capta a demanda pelo cantor brasileiro que não queria ser encontrado. Está disponível em streaming na RTP Play.
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É a história de uma obsessão. Ou de uma dupla obsessão. Ou de como o amor pela música se difunde como um vírus, atravessando continentes e culturas. No centro está João Gilberto (1931-2019), que com o seu disco de 1959, “Chega de saudade”, simplificou a batida do samba e, apenas com voz e violão, inventou um género novo – a bossa nova.
Digamos que tudo começa no Japão, país onde o cantor brasileiro realizou várias digressões de sucesso entre 2003 e 2006. Um dos fãs gerados por esses concertos torna-se amigo de Marc Fischer, escritor alemão que viajara para o extremo-Oriente para “esquecer uma pessoa”. Encontrou a música de João Gilberto no gira-discos de Toshimitsu Aono. E se conseguiu curar-se de um coração partido, contraiu uma nova doença – um desejo tão irreal como irresistível: ouvir o cantor interpretar só para ele “Hô-bá-lá-lá”.
Gilberto tornara-se quase um fantasma desde 1995, sendo visto apenas em atuações ao vivo. Refugiara-se no Leblon, Rio de Janeiro, e só recebia a filha, Bebel Gilberto, e a empresária, Cláudia Faissol. Com todos os outros apenas trocava bilhetes. A missão de Marc foi inglória: palmilhou o Rio em busca do ídolo, falou com pessoas, tornou-se um detetive.
Ficou sem saber se a voz que lhe cantou ao telefone era real ou imaginária. A demanda deu origem a “Hô-bá-lá-lá – À procura de João Gilberto”, livro lançado em 2011, uma semana depois de Fischer se ter suicidado.
A leitura contaminou outro homem: George Gachot, realizador franco-suiço que se debruçara já sobre Maria Bethânia e o samba. A investigação de Marc era retomada: Gachot passou dias inteiros no Leblon em busca de Gilberto, falou com músicos como João Donato, Roberto Menescal ou Marcos Valle. Conheceu Miúcha (cantora e ex-mulher de João).
Viajou até Diamantina e viu o quarto de banho onde a bossa nova terá sido inventada (“ele ensaiava muito no banheiro”, diz João Donato). E concebeu uma homenagem – “Onde está você, João Gilberto” (2018) – em tom suave, melodioso e existencial. Se encontrou o cantor? Quem sabe.