Primeira compilação da sua produção poética junta os 11 livros que publicou entre 1974 e 2008, devolvendo-nos um autor intenso.
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Quinze anos não foram suficientes para que a marca deixada em vida por Joaquim Castro Caldas (1956-2008) se apagasse. Através da memória dos que com ele conviveram, recordando os múltiplos episódios de liberdade e desassombro de que foi protagonista, mas também das sementes que logrou deixar, cujo exemplo mais notável serão porventura as noites de poesia no Café Pinguim, que criou no Porto no final dos anos 1980 e ainda hoje se mantêm com evidente vigor.
Todavia, a dimensão autoral permanecia algo obscurecida desde a sua morte, dado que os 11 livros de poesia que publicou entre 1974 e 2008 se encontram há muito esgotados ou indisponíveis. A pecha foi, finalmente, colmatada, graças à edição da obra completa, “Intérprete da vontade do pássaro”, agora concretizada pela Editora Exclamação.
Para alguém que “não fez nem faz outra coisa senão arte embrionária e terminal”, como o próprio se definia, a reunião num só volume apresenta a inestimável virtude de nos confrontar com “o ímpeto ameno e furioso do predador de palavras”. As palavras são de Isaque Ferreira, coordenador desta edição, e são uma aproximação feliz ao modo de escrever e viver do poeta, mas também ator, performer e dizedor.
Separados por quase três décadas e meia, os poemas publicados por Castro Caldas assumiram uma multiplicidade de formas e variações, mas convergiram quase sempre na necessidade de apropriação e superação da realidade manifestada pelo autor.
Esse esforço seria plasmado de forma admirável na epígrafe do derradeiro livro, “Mágoa das pedras”: “As palavras são tão generosas / que às vezes se escondem para nos ensinar a estar sós / como se estivéssemos com os outros”.
A frase ajuda a perceber a vontade da partilha e da celebração poéticas com que o autor de “Só cá vim ver o sol” encarava as plateias, fossem elas versadas ou não nos mistérios da literatura. Na poesia como na vida, o denominador era comum: dessacralizar, subtrair a literatice pela demanda de sentido em estado puro, quanto mais não seja porque “a filosofia não é tão divertida / sem ti a enrolar pensamentos”.
Para edição posterior ficará, como sugere o responsável do volume, um livro que reúna o manancial de textos inéditos deixados pelo autor, que fazia questão de partilhar com quem se cruzasse, como se de oferendas poéticas se tratasse.