O espanhol "Têm de Vir Vê-la" é o primeiro filme do realizador e produtor independente Jonás Trueba a estrear-se em Portugal.
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"Têm de Vir Vê-la" é o seu primeiro filme a estrear-se em Portugal. O que diria aos espectadores portugueses para os convencer a comprar o bilhete para ver o filme?
Gosto de pensar que ainda há espectadores que gostam de ir ao cinema e de se deixar surpreender. O título do filme é uma forma de chamar diretamente o espectador, sem lhe dizer muito mais. Não tem de vir ver o filme porque o realizador é muito famoso, ou pelos atores, ou porque há uma grande história. Ou ganhou muitos prémios. Simplesmente porque é um filme. Isso devia chegar. Mas é uma utopia, é quase ingénuo. Em Espanha, com este título, tentámos apelar a um desejo de cinema. Resisto a tentar vender os meus filmes. Podia dizer que é apaixonante e divertida. Mas prefiro dizer simplesmente: venham vê-lo. E surpreendam-se. O filme coloca mesmo em causa se o que vamos ver é um filme. É muito curto, tem poucos elementos, uma estrutura muito simples. Filmámos em poucos dias, com poucos elementos, mas pensando muito no espectador. Dizendo-lhe: isto também pode ser um filme.
O filme fala também do pós-confinamento, com as pessoas a voltarem a sair, a serem convidadas para as casas umas das outras. É um filme sobre o tempo que vivemos?
Em grande parte sim. É um filme muito circunscrito ao seu momento, ao seu contexto. Mas quero pensar que não é apenas um filme sobre a pandemia. É um filme que fala de sentimentos, do mundo, de como vivemos e onde vivemos. E de onde queremos viver. É algo com que qualquer pessoa se pode identificar. Mas é verdade que a pandemia veio dar-me uma razão mãos forte para fazer o filme, para falar de tudo isto.
Fala-se muito de crise no cinema. A crise que a pandemia originou pode ajudar a pensar em novas formas de fazer cinema?
Penso que sim. O cinema evolui muito com as crises. Em toda a história do cinema houve crises. É bom que haja e que se trabalhe a partir da ideia de crise. Eu sou muito consciente do momento em que me tocou viver. Com o cinema. E pensar no cinema que posso fazer. Tento pensar num certo tipo de espectador que tem respeito pelo cinema e que sabe que o cinema já não é a principal forma de entretenimento. Não vale a pena enganar-nos. É preciso trabalhar o cinema de uma forma mais humilde. O cinema pode ter outra missão, a de nos recordar coisas elementares, que vamos esquecendo. Um filme pode ser também um espaço de tranquilidade e de reflexão.
O seu filme é muito pessoal mas também se sente uma grande cumplicidade com os atores. Pode falar um pouco do processo criativo com os atores?
É para mim fundamental colaborar com atores que são amigos, que são cúmplices. São grandes atores mas aceitam trabalhar de uma forma muito incerta. Com uma grande cumplicidade e confiança. Depois de muitos anos de trabalho em conjunto podemos permitir-nos trabalhar desta maneira, frágil. Trabalhamos com umas poucas ideias, com algumas notas. Vamos escrevendo o filme juntos. São atores que escrevem o filme comigo, com os seus corpos, com os seus olhares, com as suas sensações. É um trabalho muito intuitivo e de grande confiança.
A escolha dos textos literários já estava no guião original ou foi surgindo à medida que o filme ia sendo feito?
Não havia guião. Começou com uma carta, que escrevi aos atores e à equipa, propondo-lhes o filme, em termos muito simples e elementares. Não havia um guião, havia um desejo. As músicas e as inspirações literárias já estavam lá. O filme constrói-se a partir da escuta de temas musicais, de algumas leituras e sobretudo de conversas entre amigos. E um sentimento, que existe dentro de nós. Tudo o que se vê e se escuta no filme estava antes, O filme é construído para dar espaço a essas músicas e a essas leituras.
Apesar da palavra ser muito importante no seu filme, quase o podemos qualificar como musical.
É um filme musical no sentido em que é um filme curto mas onde há muita música. Há quatro peças musicais, que se ouvem do princípio ao fim, o que não é muito habitual no cinema, onde a música é utilizada de uma forma muito manipuladora. Eu gosto de criar espaço nos meus filmes para ouvir os temas na íntegra.
A duração do seu filme não é muito habitual. Teve algum problema especial em financiar o seu filme por esse aspeto?
Não houve problemas de financiamento porque o produtor sou eu próprio. E é um filme com uma produção muito limitada. É a vantagem de sermos produtores independentes, só dependemos de nós próprios. Em troca, temos de trabalhar co muito poucos elementos. Para mim era importante que o filme fosse breve e terminasse de uma forma um pouco brusca, abrupta. Para que se pensasse: que foi isto? Foi um filme? O filme não teve nenhuma subvenção do estado espanhol, fizemo-lo com o nosso dinheiro e o dinheiro de outros filmes.
É o "método" Hong Sangsoo...
A maneira de produzir dele é uma referência para mim. Como o Éric Rohmer. São sobretudo cineastas que admiro, pela sua maneira de trabalhar a produção. Encontraram o seu método, o seu sistema. Para mim é importante trabalhar com um sistema de produção que seja coerente e que tenha uma escala harmónica. Mesmo que tenha de renunciar a muitos privilégios.
Do ponto de vista de produção o coreano é uma referência, sim, mas em termos de universo o seu filme faz pensar em Straub/Huillet e em Erice.
É curioso que mencione os Straub, porque foram sempre cineastas que admirei e recentemente pude ver mais alguns dos seus filmes, em cópias novas restauradas. Admiro também muito o seu radicalismo, mesmo desde a produção. É uma forma de ideologia, pensar o cinema com um método de trabalho que tem as suas consequências e as suas implicações. Relacionadas com as pessoas com que se trabalha, com o mundo. Eram alguém que tentavam ter uma coerência em todo o processo de criação. O Hong Sangsoo também é assim, e aqui em Portugal o Pedro Costa. Mesmo que o que ele filma e o que eu filmo seja muito diferente. Admiro muito a sua coerência como cineasta. Não há tantos cineastas que sejam assim.
Estou curioso em saber o que pensa de Victor Erice.
Em Espanha é um cineasta muito importante, mas fez muito poucos filmes. Agora tem outro, o que nos surpreendeu a todos. É o contrário dos cineastas que referi. Faz poucos filmes, porque têm de ser sempre muito bons. Só faz obras-primas mas muito poucas. Prefiro os cineastas que fazem mais filmes e que se podem permitir enganar-se. O Erice sempre nos deu a sensação de que não se podia enganar. É uma mensagem que não gosto tanto. Mas é um cineasta que não está ao alcance de qualquer um. E eu gosto mais dos cineastas que me dão a sensação que eu posso fazer como eles.
Para terminar, joga pingue-pongue melhor que os atores, ou é a mesma coisa?
Jogo um pouco melhor. Gosto muito de pingue-pongue e tinha vontade de filmar uma cena com pingue-pongue, mas os atores eram um desastre. Curiosamente, as atrizes, que não sabiam jogar, surpreenderam-me e conseguiram jogar melhor do que pensavam. Eles, que diziam que sabiam jogar muito bem, surpreenderam-me pela negativa, jogaram muito mal.