Cineasta português realizou “Cândido”, filme sobre o lado secreto da vida de Cândido de Oliveira, que foi futebolista e espião.
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Lisboa, 1941.A Segunda Guerra Mundial arrasa a Europa. Cândido de Oliveira, telegrafista, jornalista, selecionador nacional de futebol, tem uma vida dupla: é também espião ao serviço dos Aliados, tentando impedir uma eventual invasão nazi. Mas a polícia política, então chamada PVDE - Polícia de Vigilância e Defesa do Estado, não gosta do que ele anda a fazer…
Jorge Paixão da Costa realizou “Cândido”, que continua a fazer o seu trajeto nos cinemas, apresenta Tomás Alves no papel protagonista.
Olhando para a sua obra, dir-se-ia que tem um gosto muito grande por personagens com segredos escondidos…
Obsessão não é. É uma feliz coincidência, que se calhar está no meu subconsciente. Começou logo com a minha paixão pelo “Mistério da Estrada de Sintra”. Foi o primeiro romance meta policial e eu a seguir faço uma outra coisa que também era meta policial. Mas tudo sempre de época.
É outra característica do seu trabalho…
A última vez que rodei na atualidade foi a meio dos anos 90. A partir daí viajei sempre no século XIX, e princípio do século XX. O mais perto que estive do século XXI foi a “Crónica dos Bons Malandros”, e também a “Lúcia”. O “Cândido” é fruto de um documentário que eu fiz. O “Soldado Milhões”foi fruto de uma conversa com o José Jorge Letria, que sabia da história.
O Cândido de Oliveira é um herói diferente.
O Cândido de Oliveira tem uma enorme aptidão para ser herói, tradicional, épico, e eu é que decidi torna-lo um herói low profile, humaniza-lo. Ele é sensível ao dinheiro, quer salvar o país, nem sei se ele acredita ou não que os nazis vão invadir Portugal.
Era uma pessoa ingénua?
Eu acho que ele era um tipo muito inteligente. E não se deu conta do que era espiar. Eu acho que ele pensou que estava a fazer bem. É isso que eu gosto no Cândido enquanto herói, é muito humano. Tem muitos defeitos. Normalmente, os heróis têm uma fraqueza mas não têm defeitos. E eu decidi pôr alguns defeitos ao Cândido. Nomeadamente este lado irresponsável dele. Nunca sabemos se é consciente ou se é inconsciente.
E a questão da sexualidade?
Há uma dúvida. O único sítio onde li que havia pessoas que achavam que era homossexual foi no livro do Homero Serpa. Mas também diz que nunca ninguém lhe conheceu nenhum namorado nem nenhuma namorada. E eu deixo essa ambiguidade. Como ele também é muito ambíguo. Achei muito interessante o meu herói ser assim. Podia ter optado por um grande patriota, não havia nada que o impedisse. Quis que fosse diferente daquilo a que estamos habituados.
As cenas da PVDE são bastante realistas…
Aí é a minha zona de conforto. Eu já tinha feito “O Atentado” e “A Espia”, que já têm cenas de tortura, naquela época. Já fiz a PVDE três vezes. Então no “Atentado” estive uma semana inteira a fazer torturas. A tortura do sono, a tortura da estátua, muita pancada, muito sangue. Neste filme suavizei muito as torturas.
Portugal, no período da Segunda Guerra Mundial, é um manancial de histórias.
Isto era um sítio animadíssimo, fervilhava. Havia uma convivência amigável entre espiões. Metade da malta espiava. Qualquer tipo que soubesse ler e escrever, espiava. E informadores, sabemos quantos não havia. Esta coisa da espionagem comprometia o regime.
E havia a questão da neutralidade…
O Salazar não gostava é dos americanos., achava que eram uns imperialistas, quando nós próprios tomávamos conta do nosso império. Admirava mais o Mussolini que o Hitler, embora achasse que era um tonto. Achava que para Portugal o nazismo não era o melhor. Corporativismo é que era. Toda a gente trabalhava nas corporações. Trabalhava para proteger os medíocres, ninguém dá por nada, parece que anda tudo bem. E anda tudo mal.
Mas a certo ponto a polícia política aparece em cena…
Os ingleses representavam a democracia constitucional e isso era uma coisa de que Salazar tinha medo. Temos então um governante a deixar que as coisas aconteçam, e quando se tornam um bocadinho complicadas e começam a ameaçar o regime, intervém-se.
Pode falar da escolha do Tomás Alves para o seu Cândido de Oliveira?
Eu trabalhei com o Tomás Alves no “Atentado” e gostei muito dele como ator. E vi alguns dos últimos trabalhos dele, como o Salgueiro Maia. As minhas únicas dúvidas eram se ele não iria parecer muito novo. Mas depois fizemos um teste, para ver, com um calote falso e umas almofadas para o fazer mais barrigudo, mais como era o Cândido. Ele engordou uns 15 quilos e rapámos-lhe o cabelo. Tínhamos de o rapar todos os dias. Eu queria mesmo trabalhar com ele, é um ator fora de série. Levas as coisas muito a sério.
Voltando aos filmes de época, nunca receou as dificuldades de produção?
Os filmes de época não é um género que leve muitas pessoas ao cinema. Mas quando se começa a falar bem de um filme de época, as pessoas vão ver. Deixam de pensar nesse estigma. O que tenho é encontrado cada vez maior dificuldade em encontrar locais. Mesmo os locais que não foram tocados já têm muita coisa moderna. O que se faz? Utilizam-se os efeitos especiais. Mas é caríssimo. Já está muito mais barato, mas continua a ser muito caro.
Também há o desafio artístico, na utilização dos efeitos digitais. Como vê esse equilíbrio?
Tem de se combinar um bocadinho o físico com o digital. Mesmo nas grandes produções americanas, o digital só não chega. Há coisas que se percebem, mas as pessoas não querem saber, desde que a história seja boa. Algumas coisas de ficção científica são todas elas fabricadas em computador. Mas é tão bem feito que um tipo esquece.
Com a sua experiência, como é que vê a situação atual do cinema e do audiovisual em Portugal?
Uma coisa que sei que evoluiu para o lado industrial foi a telenovela.. Aí acho que isto evoluiu muito. De tal maneira que já ganhamos Emmys, o que não é nada mau. As séries estão a ter o mesmo percurso. Um bocadinho mais lento. Sinceramente, o que não acho que tenha melhorado na mesma proporção, foi o cinema. Enquanto uma arte e um espetáculo. Uma arte lúdica, chamemos-lhe assim. Mas sei porquê: por causa do dinheiro.
Também é professor de cinema na universidade, num curso que fundou. Como vê a nova geração de futuros cineastas?
Estou muito mais seguro hoje de que os meus alunos vão ter mais trabalho do que há vinte anos atrás, quando começámos o curso. Nessa altura tinha a sensação de que estava a dar informação a muita gente que nunca a iria pôr em prática. Hoje em dia não e constato isso nas equipas. Tenho sempre ex-alunos nas minhas equipas. Não por terem sido meus alunos, mas porque fizeram a sua vida.
O que se segue na sua carreira?
Eu sinto-me um privilegiado por trabalhar no que gosto. Mas estou no ocaso da minha vida, nem sei se vou fazer mais alguma coisa. Tenho uma proposta de uns franceses, mas não estou nem a pensar nisso. Mas fico feliz de saber que isto está a evoluir. Portugal já tem uma pequena indústria e reconhecida.