Festejar o centenário de José Saramago com os olhos postos no futuro. É esta a premissa em que assentam as comemorações que, a partir da próxima terça-feira e durante um ano, vão assinalar, em Portugal mas também em vários outros territórios espalhados pelo Mundo, os 100 anos de nascimento do único Nobel da Literatura de língua portuguesa.
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"Celebramos mais do que a literatura e mais do que Saramago. Celebramos a cultura como espaço de liberdade e como constante motivo de superação dos limites", reforça Carlos Reis, professor catedrático e ensaísta que comissaria o ambicioso programa de celebrações.
A ambição é bem visível logo no primeiro dia, em que Saramago celebraria o nonagésimo nono aniversário. De manhã, alunos de uma centena de escolas portuguesas, brasileiras e de Lanzarote vão ler a história "A maior flor do mundo", consumando uma autêntica corrente de leitura.
Na Azinhaga, a sua terra natal, vai ser plantada a 99.ª das 100 oliveiras que o escritor prometeu plantar. Por fim, à noite, o Teatro São Luiz, em Lisboa, acolhe a gala de abertura, com a participação da Orquestra Metropolitana, da escritora espanhola Irene Vallejo e da atriz Suzana Borges.
Do teatro à ópera
O caráter multidisciplinar, bem evidente no dia inaugural, vai estender-se durante o próximo ano. Das larguíssimas dezenas de atividades previstas - o número vai sendo atualizado com regularidade -, encontramos eventos de teatro, ópera, artes plásticas ou cinema, entre outros.
A convocação de artes tão distintas não é simples obra do acaso, segundo Carlos Reis, pretendendo demonstrar que "Saramago está vivo e é constantemente renovado". Essa crença saiu reforçada nos tempos de pandemia, em que livros como "Ensaio sobre a cegueira" voltaram a ser lidos com particular entusiasmo em diferentes pontos do planeta, pela forma como o autor conseguiu "antecipar temas e problemas que hoje estamos a viver".
Jovens são prioridade
São quatro os eixos em torno dos quais a programação foi delineada: a biografia, as leituras, as reedições e as reuniões académicas.
Neste último segmento, uma das principais iniciativas tem por título "Conferências do Nobel" e, sob a curadoria de Alberto Manguel, irá trazer mensalmente a Lisboa, a partir de janeiro, autores como o colombiano Juan Gabriel Vásquez, a polaca Olga Tokarczuk e a etíope Maaza Mengiste.
Os jovens são um dos destinatários preferenciais das celebrações do centenário. Apesar da fama de "autor difícil" que rodeia Saramago, o comissário do programa defende que "um estudante que enfrente questões complexas de matemática, de física ou filosofia pode defrontar-se com textos que precisam de leitura demorada e concentrada", superando assim, com a ajuda dos professores, "a ideia perversa de que tudo tem de ser fácil, rápido e lúdico".
Em evidência na generalidade das iniciativas vai estar a dimensão humana. Uma faceta que não pode ser dissociada da sua obra, considera Carlos Reis, dada "a sua preocupação, no plano social e no plano ético, com a violência, a cegueira da razão humana ou o desconhecimento do outro como nosso semelhante".
A profusão de iniciativas previstas para os próximos 12 meses só foi possível porque a Fundação José Saramago conseguiu reunir um amplo conjunto de apoios, incluindo de mecenas. A nível oficial, as parcerias atravessam muitos organismos e institutos do Estado, incluindo os ministérios da Cultura, Educação ou Negócios Estrangeiros.
Celebrações do centenário de Agustina só arrancam em 2022
José Saramago partilhou o ano de nascimento com outros "gigantes" literários como Jack Kerouac, Pier Paolo Pasolini, Craveirinha ou Kingsley Amis. Quem também nasceu em 1922 foi Agustina Bessa-Luís. No entanto, ao contrário do que acontece com o Nobel, o programa arranca apenas em outubro do próximo ano, data em que celebraria o centenário, e prolonga-se por 12 meses. A abertura far-se-á a 18 de outubro (três dias depois da data festiva) com uma gala no Centro Cultural de Belém, em que será apresentada a totalidade do programa comemorativo. Ao "Jornal de Notícias", Mónica Baldaque, filha da romancista, revelou que "não é certo ainda que haja alguma iniciativa no Porto", afirmando desconhecer qualquer atividade desenvolvida pela Autarquia ou universidade locais. Em andamento estão três filmes inspirados na obra de Agustina, o mais ansiado dos quais é a adaptação de "A sibila", produzida por Paulo Branco e com realização de Eduardo Brito.