Portuense Laura Carreira foi viver para a Escócia e realizou lá o seu primeiro filme. O drama “On falling”, já nos cinemas, retrata a fragilidade do trabalho emigrante.
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Foi para Edimburgo estudar cinema e ficou por lá. Depois de algumas curtas que chamaram a atenção da produtora de Ken Loach, pelos seus retratos sociais, são eles que coproduzem “On Falling”, sobre uma jovem emigrante portuguesa que trabalha num armazém de entrega de encomendas, venceu vários prémios internacionais e estreia agora nas salas portuguesas. A realizadora voltou a casa para apresentar o seu filme.
Vendo as suas curtas e esta primeira longa percebe-se que o seu universo é o dos mais desprotegidos, os que têm pouco ou quase nada…
São a maior parte de nós. Neste filme em especial, descobri que este tipo de trabalho é feito na maior parte por trabalhadores emigrantes. E é um trabalho invisível, que não vemos. Há muito desse trabalho hoje em dia, que mantém a sociedade em que vivemos e é feito em condições extremamente exploradoras. Na realidade, quase todo o trabalho que existe tem de certeza um momento de exploração. O meu cinema vem daí.
Esta história baseia-se em alguém que conheceu?
Não se baseia em nenhuma pessoa em específico. Mas durante a escrita falei com muitos destes trabalhadores e várias das histórias que chegaram ao filme vieram dessas conversas. Os primeiros anos em que vivi na Escócia e comecei a trabalhar influenciaram também muitos momentos do filme, como a partilha dos apartamentos. Acho que é muito difícil não escrever sobre o que nós sentimos.
Houve alguma razão específica para decidir ficar em Edimburgo após os estudos?
Acabei a universidade e precisava de trabalhar, para conseguir manter-me. A universidade não me abriu muitas portas para a indústria do cinema, não sabia muito bem como continuar a fazer filmes. Demorou alguns anos até conseguir fazer a minha primeira curta, que financiei eu própria, com amigos que me ajudaram. A partir daí foi sempre a tentar entrar na indústria. Olhando para trás, já lá estou há doze anos.
As condições de produção são muito diferentes das que existem em Portugal?
A Escócia e o Reino Unido também não têm um grande investimento na cultura. Um problema que Portugal também tem. Mas este filme beneficiou de o termos feito em coprodução com Portugal. Esse lado ajudou muito a fazer o filme, teria sido difícil fazê-lo só na Escócia ou só em Portugal. As primeiras longas são sempre difíceis.
Como é que se chega a trabalhar com a companhia do Ken Loach?
Eu tinha feito duas curtas, mas estava sem produtora. Tinha um argumento de uma longa e estava à procura de produtores em Portugal e no Reino Unido. O Ken Loach já tinha anunciado que o “The Old Oak” ia ser o seu último filme e a Sixteen Films estava à procura realizadores que estivessem interessados em fazer um trabalho de cinema político. Que não tivessem medo de olhar para os problemas de hoje.
Como é que decorreu esse encontro?
Viram as minhas curtas e começámos a conversar. Depois leram o argumento. Desde que começámos a conversar nunca mais parámos até ao filme estar feito. Acho que temos semelhanças muito grandes na forma como vemos o mundo e como vemos o cinema. Pudemos filmar por ordem cronológica, filmámos em locais reais, trabalhámos com atores e não atores. São tudo elementos que vieram do cinema do Ken Loach.
Como se deu o “casamento” com a atriz Joana Santos?
Por acaso, durante os festivais, chamava-lhe a minha mulher. Estávamos sempre juntas nas fotografias, muito bem vestidas, parecia que estávamos no dia do nosso casamento. Resultou muito bem, a Joana é uma atriz fantástica. Não vou tirar nenhum crédito do trabalho dela. O crédito que tiro foi escolhê-la a ela.
Mas como é que a descobriu?
Fizemos um casting muito grande em Portugal Vimos quase 600 vídeos, para encontrar a Aurora. Portugal tem uma quantidade de atrizes fantásticas. A escolha não foi fácil. Mas desde que vi o primeiro vídeo da Joana fiquei logo de olho nela. Ela tem essa capacidade de quase timidez, mas ao mesmo tempo é muito transparente. É algo que vem muito da Joana, não ia conseguir dirigir uma atriz a criar isto.
Há duas portuguesas no filme, uma decide voltar a Portugal, a Aurora fica na Escócia. É o dilema da Laura?
Se calhar escrevi o filme inconscientemente a pensar nisso. Talvez tenha sido uma forma de terapia.
Tem mais histórias portuguesas para contar?
Sim, o meu próximo filme quero que seja em Portugal e em português. Vou entregar o projeto ao ICA para ver se tenho apoio para escrever a história.
O sucesso apanhou-a de surpresa?
Eu fiz este filme como o queria fazer. Não sabia se ia funcionar ou não. Se não funcionasse, sabia que a culpa tinha sido minha. Mas felizmente que as pessoas se identificam com a história e com a personagem. E é isso que acaba por ser triste, tanta gente se identificar com a Aurora.