Autarca vai propor a criação de um teatro nacional para revista e garante já ter um projeto para o Parque Mayer.
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Em Portugal, o teatro de revista subiu ao palco pela primeira vez há 170 anos, no Teatro Gymnásio, com a peça "Lisboa em 1850", de Francisco Palha e Latino Coelho. Depois, este género teatral nascido em França na segunda metade do século XVIII, cresceu, catapultou a carreira de dezenas de atores portugueses, esgotou salas e somou temporadas pelo país todo. Mas nunca perdeu o seu epicentro, Lisboa, berço do Parque Mayer, sofisticado condomínio de teatros inaugurado em 1922. A revista, conotada com o gosto popular, atingiu o auge da popularidade em meados do século XX. Mas, em meados da década de 90, entrou em declínio. As lotações continuam esgotadas, mas o Governo não apoia nem incentiva este trabalho, os edifícios dos teatros começaram a ser esvaziados ou substituídos por outras finalidades e as instituições culturais do país não mostram, disponibilidade para acolher teatro de revista nas suas programações.
É perante este diagnóstico, e totalmente em contraciclo, que o presidente lisboeta da Junta de Freguesia de Santo António, Vasco Morgado, decidiu apresentar uma proposta na Assembleia Municipal para a lançar uma candidatura à UNESCO. O autarca quer ver o teatro de revista e o Parque Mayer classificados como Património Cultural Imaterial da Humanidade. "É um desejo antigo. Alguém tinha de dar o pontapé de saída", afirmou ao JN.
100 anos do Maria Vitória
O pretexto é o centenário do Teatro Maria Vitória, a assinalar em 2022, e que hoje é, juntamente com o Politeama, um dos poucos espaço onde a revista entra. O Parque Mayer está votado ao abandono, o ABC foi transformado num parque de estacionamento em 2015, o Variedades, onde se estreou Vasco Santana com "Pó d'arroz", acolheu a última peça em 1995. Os espaços que foram recuperados, como o Capitólio, já não produzem revista.
Vasco Morgado aponta o dedo ao poder central. "Anda distraído. Devia dar mais importância àquilo que é o seu teatro de raiz e àquilo que é único do Mundo". Mas não é isso que acontece. Desvalorizado pelos sucessivos governos, sem acesso a apoios da tutela, e visto como teatro menor - "até pelas escolas de teatro, pelos equipamentos do país e pelos próprios atores", criticam outros atores -, o teatro de revista pode vir agora a ganhar um novo fôlego.
"A revista é, ainda hoje, o género que mais público leva ao teatro e aquele que apresenta temporadas mais longas, às vezes de um ano", nota o presidente da Junta. "Apesar de ser visto como teatro menor, a verdade é que muitos dos grandes nomes da cultura portuguesa escreveram para a revista", afirma. Desde logo, diz, Gil Vicente. "A revista é o esqueleto da sátira social e da caricatura. Não há justificação para não ser classificado", insiste. O autarca considera ainda que o reconhecimento deve ser materializado "pela importância que este género teatral tem na democracia e na literacia da população, uma vez que aborda temas da atualidade política, económica, social e religiosa".
Reinventar o Parque Mayer
A ideia da candidatura, continua Morgado, também é devolver ao Parque Mayer as funções originais, "reinventando-o, transformando-o, fazendo-o renascer". "Queremos manter a identidade destes teatros, recuperar o público e reabilitar a malha humana envolvente". O autarca garante já ter um projeto de recuperação para o Parque Mayer, mas o seu objetivo é ir ainda mais longe. "Quero propor a criação de um teatro nacional de revista à portuguesa".
Flávio Gil, que tem dirigido os espetáculos do Maria Vitória, corrobora e encontra cumplicidade no público: "Nenhum espetáculo está menos de oito meses em cartaz. Sem apoio do Estado, seria impossível comportar espetáculos desta dimensão se não houvesse público. Há e está a crescer".