Há 52 anos à frente da Livraria Rosa D'Ouro, em Bragança, Casimiro Fernandes acreditou até muito recentemente que já tinha assistido a muitas vicissitudes na venda de livros. Mas, "na reta final" da sua atividade, o livreiro de 76 anos esperaria tudo menos um confinamento tão duro, interpretado como "um convite para fecharmos de vez as portas".
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"Há dias em que o negócio se resume à venda de um lápis e uma ou outra fotocópia. Como é que pago aos quatro funcionários com estes poucos cêntimos?", questiona o livreiro, excluído dos programas de apoio em virtude de a queda do volume de vendas no ano passado ter sido um pouco inferior à exigida.
A preocupação de Casimiro Fernandes é a mesma dos mais de 80 estabelecimentos que integram a Rede de Livrarias Independentes (RELI), incrédulos com o facto de terem sido os únicos não incluídos no desconfinamento do livro.
Desde a passada segunda-feira, é possível voltar a comprar livros em bombas de gasolina, estações dos correios, supermercados, retalhistas especializados em produtos eletrónicos, quiosques, tabacarias ou lojas de selos, exceto... livrarias.
Indignada com a decisão, a RELI acusa os decisores de terem "beneficiado os grandes grupos de distribuição, permitindo-lhes juntar a venda de umas centenas de títulos de livros mais comerciais à de outras produtos essenciais". No comunicado, os livreiros instam o presidente da República "a decretar que o livro passe a ser, doravante e de uma vez por todas, um bem essencial, como o pão e a água".
Asae à cata dos pequenos
Enquanto suspiram pela reabertura de portas, há livreiros que não escondem o pessimismo perante o futuro. É o caso de Adélia Carvalho, proprietária da Papa-Livros, que teme o impacto do encerramento prolongado na relação com os clientes. "O que nos distingue é a proximidade. Após tanto tempo fechados, o hábito de visitar uma livraria acaba por diluir-se", lamenta a livreira e escritora.
O encerramento compulsivo das livrarias não afeta apenas os seus funcionários, porquanto o circuito em torno destes espaços inclui também outros profissionais muito variados, como editores, ilustradores ou escritores.
A queda abrupta de rendimentos não é a única dificuldade com que se têm deparado. Que o diga Pedro Seromenho, escritor e editor da Paleta de Letras, surpreendido com uma multa da ASAE, "num valor entre os 2500 e os 25 mil euros", por alegado incumprimento em alguns itens relacionados com o funcionamento da loja online.
"O que me incomoda é que deram como exemplo de funcionamento as grandes editoras, esquecendo-se das condições excecionais de que elas dispõem", afirma Seromenho, conhecedor de "outros casos similares" entre editores e livreiros de pequena dimensão.
Com 80% da sua atividade centrada nas ações escolares, a Paleta de Letras, sediada em Braga, está a procurar sobreviver através da migração para eventos online: "Fecharam-nos as portas, mas queremos abrir janelas".